Crítica: A Bela e a Fera
Desde que começou a transformar seus sucessos animados em filmes com atores, a Disney tem alternado fidelidade e ousadia. Em Alice no país das maravilhas, Tim Burton dispensou o material original para contar uma nova história, priorizando o apuro visual. Com Malévola, Robert Stromberg apostou todas as fichas no carisma de Angelina Jolie para reescrever a origem de uma das maiores vilãs do estúdio e torná-la protagonista. Em Cinderella, Kenneth Branagh captou toda a sensibilidade do clássico mas dispensou a fabulosa trilha sonora, que acabou fazendo falta. Já em Mogli, Jon Favreau trouxe à vida a selva indiana e os amigos animais do menino lobo abusando dos mais avançados recursos de computação gráfica e não negligenciou as canções eternas que embalaram os sonhos de muitas gerações. Faltava dar o passo mais ambicioso: recriar na íntegra um dos grandes musicais que encantaram as audiências no fim do último século.
Não é por acaso que o escolhido para iniciar esta nova fase seja um dos filmes mais importantes da história do estúdio do Mickey. Primeira animação a disputar um Oscar na categoria principal, A Bela e a Fera se tornou um marco e mudou para sempre o conceito do que era um desenho animado em longa metragem.
É uma responsabilidade muito grande transformar um filme tão icônico em uma produção milionária para uma nova geração sem macular as lembranças de quem assistiu o original mais de vinte anos atrás. Mas Bill Condon optou por seguir à risca a história da animação e incorporar elementos do musical da Broadway, e esta mistura acabou sendo um dos grandes acertos da produção.
A Bela e a Fera é absurdamente fiel ao desenho animado, tanto que algumas sequencias parecem ter saído da prancheta dos animadores diretamente para a tela do cinema. É um trabalho que reverencia o clássico mas também tem sua dose de inovação.
Deixando de lado o estilo cartunesco e trazendo personagens e cenários para algo mais próximo do real, Condon conseguiu um visual único para A Bela e a Fera. Mas isto também tornou-se um problema. Grande parte da magia do original vinha dos personagens que eram objetos do castelo: relógios, candelabros, espanadores e chaleiras que ganhavam vida. E o melhor número musical - Be Our Guest - era protagonizado exatamente por eles. Demora um pouco para nos acostumarmos com a nova cara de Lumière e companhia, mas é nas sequencias musicais que fica mais evidente que estas alterações se fizeram necessárias para se conseguir o ritmo teatral que o diretor escolheu. Mesmo que se perca um pouco do deslumbre que estas cenas tem na animação, é aí que realmente nos damos conta de que estamos assistindo um live action, e é normal que a experiência seja um pouco diferente.
Entre os atores, o destaque fica para os coadjuvantes. Embora Emma Watson esteja à vontade como Bella, algumas vezes é possível notar a dificuldade da atriz em contracenar basicamente com o vazio, já que a maior parte de suas cenas tem adição posterior de efeitos especiais. Já Luke Evans consegue dar à Gastón mais profundidade, e seu talento vocal faz a diferença nos números musicais. A interação com Josh Gad, o LeFou, rende alguns dos momentos mais engraçados da trama, e a tão falada homossexualidade do baixinho é apenas mais um mote para sua posição de alívio cômico. Ewan McGregor, Emma Thompson e Ian McKellen, embora apareçam pouco de corpo presente, fazem a diferença para a humanização dos objetos encantados.
A Disney não poupou recursos para recriar este mundo mágico, e o trabalho de cenografia e figurino deve garantir indicações ao Oscar para as veteranas Sarah Greenwood (Desejo e Reparação, Sherlock Holmes) e Jacqueline Durran (Orgulho e Preconceito, Ana Karenina). Vale ressaltar a beleza da fotografia, que consegue reproduzir à perfeição sequencias memoráveis como a valsa dos protagonistas nos salões do palácio.
A Bela e a Fera vai emocionar as plateias de todo o mundo, da mesma forma que a animação o fez no já distante 1991. Para os próximos anos, a Disney promete que O Rei Leão, Mulan, Aladdin e Dumbo também ganharão suas versões em carne e osso. Assim fica difícil deixar de ser criança, pelo menos na sala de cinema.
Cotação: ***
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