Crítica: Capitão Phillips

O Cinema de Paul Greengrass é daqueles facilmente identificáveis para quem é mais atento ao estilo de um diretor. Adepto da câmera na mão para sequencias de ação e de uma montagem acelerada para seus dramas geralmente baseados em acontecimentos reais, o cineasta conseguiu, ao longo de uma carreira relativamente curta - ele tem apenas oito longa metragens no curriculum - firmar-se como um dos melhores diretores da atualidade.

Perder o fôlego na sala de projeção é parte do programa se você está indo assistir a um filme deste inglês responsável pela reformulação total no gênero de ação nos últimos anos (graças aos sucessos A Supremacia Bourne e O Ultimato Bourne). Mas em Capitão Phillips, ele finalmente consegue fazer a angústia de acompanhar o desenvolvimento da história tornar-se uma experiência verdadeiramente sufocante, e sem dar tempo para a platéia sequer respirar.


A história real do ataque de piratas Somalis ao navio cargueiro Maersk Alabama (primeira ocorrência deste tipo em mais de duzentos anos de história americana) era por si só um prato cheio para um cineasta que já havia ganho o respeito da crítica com obras como Domingo Sangrento e Vôo 93, ambas que relatavam acontecimentos que marcaram época e foram filmados com esmero seguindo uma estética semi-documentarial. Mas diferente das outras duas empreitadas, em que foram selecionados para o elenco apenas nomes desconhecidos e, em vários casos, utilizado o recurso de tipagem para alguns personagens, aqui Greengrass conta com uma adição de peso que faz toda a diferença: Tom Hanks, que após anos a fio sem apresentar performances dignas de seu já reconhecido talento, retorna ao auge como o protagonista, entregando a atuação mais impressionante de sua vitoriosa carreira.

Capitão Phillips não perde tempo com clichês românticos que geralmente perpetuam este tipo de produção, como cenas extensas que exploram a dor das famílias dos envolvidos no caso e descambam, sem o menor cuidado, para o melodrama; Greengrass prefere focar seu filme nas angustiantes horas pela qual passou a tripulação do navio cargueiro em mãos de criminosos desesperados, e, portanto, ainda mais perigosos que o habitual. A força do roteiro de Billy Ray (Jogos Vorazes, Plano de Vôo) está exatamente em tentar situar o expectador da dura realidade em que viviam os homens envolvidos na ação contra o navio americano, mas sem isentá-los de culpa pelo atos que cometeram - diferente, por exemplo, do que cineastas brasileiros que trabalharam em filmes como Ônibus 174 e Última parada 174 (ambos baseados na história real do rapaz que aterrorizou passageiros em um ônibus no Rio de Janeiro, matando uma das passageiras e acabando morto na ação da polícia) mostraram, quase santificando a figura do bandido e utilizando como justificativa para o crime sua triste história de vida.

A interação de Tom Hanks com os atores que representam seus algozes rendem alguns dos momentos mais eletrizantes em um filme deste gênero no Cinema recente. Obviamente que a estrutura de Capitão Phillips deva ter sido milimetricamente estudada pela equipe, mas se os enquadramentos em primeiro plano aliados à câmera maliciosa do diretor que desliza sorrateira pela cena aproveitando-se de cada milímetro de tensão contribuem para a atmosfera de suspense e desespero que permeia a maior parte dos 140 minutos do filme (que, diga-se de passagem, passam voando), é na representação perfeita dos atores que o filme encontra seus grandes momentos. Mais impressionante é saber que, embora conte com a experiência de Hanks, Greengrass manteve sua opção por nomes desconhecidos para viverem os sequestradores, todos sem qualquer experiência anterior de atuação. O resultado dessa junção é uma das performances de elenco mais impressionantes dos últimos anos, e desde já favoritíssima ao prêmio do sindicato. Hanks, por sinal, já deve estar polindo suas duas estatuetas do Oscar para preparar-lhes para a próxima que virá.

Assim como em Domingo Sangrento, a edição em Capitão Phillips é de suma importância para impor o ritmo que o roteiro e a direção de Greengrass definiram para a história. Christopher Rouse, que já conhece o estilo do colega (com quem trabalhou em Zona Verde, Vôo 93 e nos filmes da trilogia Bourne) desempenha com perfeição um trabalho digno de mestre. Se por acaso você tiver uma crise de ansiedade enquanto assiste ao filme, pode ter certeza que parte da culpa é do seu ritmo vertiginoso. Um trabalho genial que pode lhe render seu segundo Oscar. 

Capitão Phillips definitivamente não é um filme indicado para quem não tem nervos de aço. Parafraseando uma das próprias frases do roteiro, assim como a pirataria moderna, o Cinema de Paul Greengrass não é para os fracos. O diretor finalmente atinge seu ápice na arte de contar histórias perturbadoras. Fica agora a curiosidade pelo seu próximo projeto; como todo bom cinéfilo masoquista, já não vejo a hora de sofrer na sala escura novamente. 

Cotação: ****

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