Crítica: Uma história de amor e fúria

Se produzir Cinema no Brasil já exige coragem, animação, então, é praticamente um trabalho hercúleo. Nosso país tem pouquíssima tradição nessa arte tão popular hoje na tela grande, mesmo possuíndo alguns dos maiores mestres do mundo por aqui. Mauricio de Sousa, Laerte, Ziraldo; todos já tiveram suas criações de alguma forma aproveitadas em projetos cinematográficos, mas nunca na escala que seria esperada para a grandiosidade das mesmas.
 
A maior pretensão de Luiz Bolognesi era mudar esta história. O diretor, cujos mais representativos trabalhos eram os roteiros de sucessos como Bicho de sete cabeças e As melhores coisas do mundo tinha uma ideia na cabeça e a vontade de trazer para o gênero animado um projeto de alma totalmente brasileira como nunca se havia visto por aqui. E ainda mais: totalmente voltado para o público adulto. Assim nascia Uma história de amor e fúria.
 
 
Bolognesi desenvolveu seu filme com o ritmo de uma graphic novel afim de atingir o público jovem, louco pelos quadrinhos. Para os mais atentos, as semelhanças com o traço japonês também serão notadas. O trabalho de animação em Uma história de amor e fúria é soberbo, desde a composição dos personagens até a estruturação dos cenários e dos efeitos de luz e sombra. A técnica é claramente o ponto alto do filme, o que justifica seus dez longos anos de realização - a maior parte destes, claro, deveu-se às dificuldades de se tocar um projeto deste tipo.

Embora seja uma realização que mereça elogios, não se pode dizer que Uma história de amor e fúria vá se tornar um marco, e isso se deve muito ao seu roteiro, que distorce fatos históricos considerando a viés política pela qual o diretor cegamente crê e tenta, a todo custo, transpor para a platéia, muitas vezes de maneira risível. Dentre as pérolas, a apologia ao crime organizado (justificando bandidos como Robin Hoods em defesa do povo), a defesa do cangaço e a santificação dos guerrilheiros, sem qualquer juízo de valor. Extrema esquerda ou extrema direita, todos sabemos, nunca é uma coisa boa. Bolognesi, pelo visto, desconhece esta máxima.

Apesar dos problemas ideológicos, a ideia da trama é boa: uma viagem pela história do Brasil acompanhando um herói imortal em quatro etapas importantes do desenvolvimento de nossa nação: o embate entre Portugueses e Franceses pelas Terras Tupinambás, no litoral Fluminense, que levou à extinção deste povo indígena; a revolta dos Balaios no Maranhão Imperial, no século 18; os movimentos de resistência estudantil no Rio de Janeiro durante a Ditadura Militar, na década de 70; e a opulência de um Rio de Janeiro moderno e opressivo, onde a água é escassa e fonte de riqueza para poucos, no ano de 2096. Em todos os tempos, o personagem principal (dublado apenas corretamente por Selton Mello) busca sua alma gêmea (Camila Pitanga) e luta contra a opressão do mal, geralmente representado pela figura do regime opressor.

A visão do Brasil do futuro é tão utópica que denuncia claramente a confusão pela qual passa a cabeça do diretor frente ao seu pensamento ideológico. Uma história de amor e fúria acaba se tornando, ao invés de uma boa animação, uma tentativa frustrada de corromper verdades históricas em prol de panfletagem política barata. É um tanto curioso que o filme trate como heróis os guerrilheiros da década de 70, mesma época daqueles que, hoje, estampam as páginas de nossos jornais envolvidos em escândalos de corrupção.

Como este era seu trabalho de estréia na direção, Bolognesi poderia ter sido mais neutro e optado por uma animação simples, que contasse apenas uma história. Uma pena que um trabalho que poderia ser excelente tenha que ser apenas bom por excesso de ego do seu realizador. Realmente uma pena.

Cotação: **
 

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