Crítica: Hitchcock
Alfred Hitchcock é uma das maiores lendas do cinema americano. O mestre do suspense, autor de obras imortais como Um corpo que cai, Janela Indiscreta, Festim Diabólico, Os pássaros e Psicose, mesmo com todo o seu talento e reconhecimento da crítica mundial, jamais foi premiado com um Oscar pela realização de um de seus filmes, recebendo apenas um prêmio honorário pela carreira.
Apesar de ignorado pela Academia, o mesmo não se pode dizer dos colegas de profissão: Hitchcock já recebeu diversas homenagens de colegas cineastas, seja em referências explícitas (M. Night Shyamalan é um notório discípulo), plágios descarados (Paranóia, uma cópia de Janela Indiscreta com temática teen que ainda gera processos até hoje) ou até uma refilmagem de seu maior clássico (Psicose de Gus Van Sant, uma das maiores atrocidades já cometidas por Hollywood). Mas o que ainda não havia acontecido era um filme que fizesse um retrato justo da sua personalidade nada convencional.
Pois a espera acabou com a chegada de Hitchcock, do novato Sacha Gervasi, diretor que começou com o pé direito, trazendo uma história com aspectos ficcionais que se passa na época em que o mestre trabalhava em seu maior sucesso e passava por uma crise conjugal com sua fiel e amada esposa, Alma Reville (Helen Mirren).
Falar de Hitchcock sem começar elogiando as escolhas do diretor para o elenco do filme seria uma falha fenomenal. Anthony Hopkins não precisa provar mais nada para ninguém, afinal de contas, dentre os muitos personagens inesquecíveis que representou, está o Canibal Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes, que muitos consideram o maior vilão da história do Cinema. Mas aqui, além de sumir atrás da pesada maquiagem que o deixa incrivelmente semelhante ao notório homenageado, impressiona a impostação de voz e a expressão corporal que nos fazem pensar que Hitchcock voltou à vida. Não menos impressionante é a atuação de Helen Mirren, que é a válvula emocional do filme. A atriz, que consegue transbordar vitalidade nos seus quase setenta anos, mais uma vez rouba a cena, mesmo quando está dividindo a tela com uma belíssima Scarlett Johansson, que faz sua Janet Leigh meiga e ao mesmo tempo sensual.
O roteiro de John J. McLaughlin baseado no livro de Stephen Rebello acompanha o diretor em sua peregrinação na busca por um novo projeto depois do sucesso de Intriga Internacional. Decidido a impressionar o público com algo nunca visto, Hitch enxerga em um original de um livro ainda não publicado, Psyco, a chance de criar um filme de suspense único. À medida que se envolve no trabalho, vai deixando de lado a esposa, que acaba se entregando a um caso extraconjugal como vingança, ao pensar que o marido está apaixonado por uma das atrizes de seu filme. Aos poucos a loucura de seus personagens atinge Hitch, de maneira que o público não sabe mais o que é real e o que é ficção.
Além de desenvolver o roteiro de maneira concisa, o diretor também acerta na composição da Hollywood dos anos 60. Hitchcock tem o mérito de tornar Psicose ainda mais interessante: algumas situações propostas no filme, supostamente reais (por exemplo, a recomposição de como teria sido um dos ensaios da mais famosa cena do longa, o assassinato da personagem de Janet Leigh durante o banho), são um deleite para os fãs do diretor e os amantes da sétima arte. Também são interessantes as cenas que mostram Hitch nos bastidores do lançamento do filme acompanhando a reação da platéia, aterrorizada. Um efeito quase semelhante ao da primeira sessão de A chegada do trem à estação, dos Irmãos Lumière, que em 1896 levou à loucura todos que estavam na sala de exibição e acharam que o trem iria atingi-los.
A boa recepção de Hitchcock pode ser a chance de que tenhamos outras obras que façam homenagens a mestres do cinema. Na minha lista, estão Frank Capra, Ingmar Bergman e Stanley Kubrick, só para citar alguns. Existem tantos grandes cineastas no mundo quanto estrelas no céu, e eu perderia muitas linhas se ficasse aqui citando todos.
Cotação: ***
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