Crítica: Os Miseráveis

A responsabilidade ao adaptar uma obra clássica da literatura, por si só, já é uma tarefa inglória. Quando esta obra se torna um musical que é um fenômeno mundial de público e crítica nos palcos, ela é ainda maior. Isso não intimidou Tom Hopper, que depois de arrebatar um Oscar de melhor diretor por O discurso do rei resolveu levar para as telas a obra prima de Vitor Hugo em sua versão mais conhecida atualmente.

O musical Os Miseráveis é um campeão de audiência e longevidade no West End Britânico. Em uma época em que os musicais retornaram com força aos cinemas, era natural que a obra também recebesse sua versão em celuloide, apesar da natureza mais sombria e triste que outros exemplos do gênero como Chicago, Nine e até mesmo O fantasma da Ópera. Sem mexer na essência do texto original, Tom Hopper faz de seu Os Miseráveis um espetáculo visual embalado pelas composições eternas de Claude-Michel Schönberg que encantam o mundo desde a estréia do musical em 1980.


A grande diferença de se assistir um musical no Cinema é a composição visual que a linguagem cinematográfica permite dimensionar a este tipo de projeto, que complementa o espetáculo cuja sensação da emoção na encenação dos atores só é sentida por completo por quem está ao vivo na platéia. Mas eis aqui a diferença fundamental desta produção para qualquer outro musical já realizado em Hollywood: todas as canções foram interpretadas no set, sem recursos de dublagem posterior, apenas acertos na pós-produção. Este choque de realidade garante uma interpretação notável a nomes como Hugh Jackman e Anne Hathaway. Ela, diga-se de passagem, literalmente derrete nosso coração com uma maravilhosa I Dreamed a Dream, uma performance emocionante, arrebatadora, e que merece cada um dos elogios e prêmios que a  atriz tem recebido da crítica mundial.

O texto original de Victor Hugo é rico em detalhes sobre a França após a Revolução que mudou o mundo ocidental, um país dividido por uma burguesia minoritária e sedenta de poder que vivia cercada de luxo enquanto a maioria da população sofria com a pobreza, a peste e outros males que assolavam a Europa. Os Miseráveis não poupa tristezas e horror, bem ao estilo das obras do escritor clássico, também autor do trágico O corcunda de Notre Dame. O roteiro prefere privilegiar o segundo ato do musical, que acompanha a história de redenção de Jean Valjean, um homem marcado por um passado de sofrimento e injustiças que encontra na orfã Cosette a grande chance de reconstruir sua vida e pagar pelos erros da juventude e pelo sofrimento que acredita ter causado a Fantine, a mãe da menina. Uma vez em Paris, ele se envolve com um grupo de jovens que almejam a derrubada do regime e precisa enfrentar seu algoz, o oficial Javert (Russel Crowe) para salvar o verdadeiro amor de sua filha.

As indicações técnicas para o filme no Oscar são justificáveis, mas fica a sensação de que poderia ter sido feito um pouco mais em Os Miseráveis. A Paris de Hopper não se apresenta factível em algumas cenas, fazendo saltar aos olhos o uso da computação gráfica (preste atenção à sequencia em que Javert canta sua frustração pela não captura de Jean Valjean e faz uma promessa para as estrelas, com a Catedral de Notre Dame ao fundo: não poderia soar mais fake). Obviamente que o tema do longa não pediria muitos cenários glamourosos, mas alguns detalhes poderiam ser melhor explorados, principalmente nas sequencias do desfile em frente às avenidas em Madeleine. A maquiagem também soa exagerada em alguns momentos, mas nada que comprometa a qualidade do filme.

O maior destaque em termos técnicos nesta superprodução foi a escolha dos enquadramentos feita pelo diretor em conjunto com o seu fotógrafo. Na maioria das sequencias mais impactantes, os atores entoam as canções em close-ups longos, um recurso claro para a valorização da performance que auxilia alguns e prejudica - e muito - outros (Russel Crowe, principalmente). Talvez para deixar claro que definitivamente não estamos num palco, o diretor enfatiza o close e o expectador perde a chance exatamente de explorar o que é mais interessante de uma versão cinematográfica: a profundidade, a interação do ator com o meio. No começo funciona, mas depois começa a cansar um pouco. 

Para uma experiência completa, faltou só uma pausa entre as sequências musicais para, como no teatro, a gente ter um tempo para aplaudir o espetáculo e secar as lágrimas. Os Miseráveis já é o quinto musical com maior bilheteria na história do Cinema, e ainda está em cartaz emocionando multidões. Um medalhão para um dos gêneros mais essenciais desta industria de sonhos. Que o sucesso encoraje Hollywood a investir em outros projetos que estão na gaveta, como o esperado Wicked. 

Cotação: ***

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