Crítica: Lincoln

Um filme dirigido por Steven Spielberg sempre gera uma expectativa acima da média. Não é para menos. O midas da indústria do Cinema americano é pai de alguns dos maiores sucessos da sétima arte e ainda tem no curriculum jóias como A Lista de Schindler. Mas, como muitos cineastas, Spielberg tem aquele lado político que às vezes resolve aflorar e ficar à frente de seu talento como contador de histórias. 

Lincoln, pode-se dizer, é o filme certo para um ano de eleições americanas em que o presidente Obama estava visivelmente em baixa. O presidente americano da época da Guerra de Secessão é um dos mais idolatrados do país, e teve como uma das realizações de seu período como governante a libertação dos escravos negros. Spielberg, abertamente favorável ao atual presidente dos EUA, enche seu filme de situações panfletárias e descamba o que deveria ser uma biografia para apenas um bom filme sobre uma figura histórica em uma fase específica de sua vida.


Spielberg não é bobo, e convocou para o elenco apenas nomes de peso. O protagonista não precisa de apresentações: Daniel Day Lewis é um dos mais talentosos atores em atividade no Cinema, dono de dois Oscar - o último recebido por sua atuação soberba em Sangue Negro - e certamente a caminho de ganhar seu terceiro pelo desempenho formidável como Abraham Lincoln. Conhecido pelo seu método de atuação de mergulho na personalidade do personagem - a tal ponto de andar e falar como o mesmo até quando está fora de cena - Day Lewis tem como concorrente, talvez, apenas a atuação mais física de Joaquim Phoenix em O Mestre - um contraponto a seu desempenho focado em nuances. Entre os coadjuvantes, se destaca Tommy Lee Jones como Thaddeus Stevens. O ator, visivelmente mais envelhecido, tem as cenas mais emocionantes do filme, ao final do terceiro ato (passagens bem ao estilo de Steven Spielberg, por sinal). Sally Field tem pouca chance de brilhar como a primeira dama Mary Todd Lincoln, mas sua pequena participação vale pela sequencia em que entra num embate com o presidente sobre o destino trágico de seu primogênito. Ambos os atores dão um show de mise en scène.

O restante do elenco estrelado sofre pela fragilidade do roteiro que peca em não desenvolver os personagens e as tramas que transcorrem em paralelo ao mote principal da trama - a aprovação da décima terceira emenda da constituição americana que definiria os rumos da escravidão no país e acabaria com a guerra que dividia os Estados Unidos em dois. Lincoln passa muito tempo das suas quase 3 horas de duração em demorados discursos políticos e estratégias para compras de votos que enfatizam como os Estados Unidos nasceram de atos de corrupção e como até um de seus mais incorruptíveis governantes teve que se entregar a este tipo de jogo político para conseguir fazer o bem. Paulo Maluf, se assistiu o filme, deve ter dado um sorriso de orelha a orelha.

Este lado horário político com superprodução somente não prepondera pela utilização dos recursos de linguagem que Spielberg sabe manipular tão bem, inclusive mais uma belíssima trilha de John Williams, que enriquece a experiência de assistir ao filme. Os cenários, grandiosos, reproduzem com fidelidade marcos da capital americana e as sequencias de batalha - que são poucas, pois o foco de Spielberg, aqui, não é a guerra - são, como sempre, de cair o queixo. Falou-se muito que a interpretação de Day Lewis ficaria presa à maquiagem que o tornou idêntico ao líder histórico, mas apesar do trabalho fenomenal e dos diversos efeitos de câmera utilizados para aumentar a estatura do ator, quem se sobressai é sempre a sua atuação. Por sinal, vê-se em Lincoln os mesmos erros que no recente A dama de ferro: apoiar-se demais em um grande personagem, interpretado por um grande ator, e se esquecer que é preciso de um bom roteiro.

Provável vencedor do Oscar, apesar do crescimento de filmes como Argo e O lado bom da vida nas semanas anteriores ao maior prêmio do cinema, Lincoln é o típico filme para ser esquecido em pouco tempo. Os velhinhos da academia vão adorar seu estilo cheio de fórmulas fáceis. Até os gênios se vendem, e com Spielberg não poderia ser diferente. Ao menos no ano passado, quando indicado pelo criticado Cavalo de Guerra, ele mostrou um trabalho mais pessoal e condizente com seu estilo. Que venham outros assim.

Cotação: **

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