Crítica: Django Livre
Poucos diretores entendem tão bem a linha tênue que existe entre a arte e o entretenimento no cinema quanto Quentin Tarantino. Alguns até tentam seguir por ambas as vertentes, mas geralmente optam por fazê-lo em trabalhos distintos. O toque de gênio deste americano do Tennesse é misturar muito bem ambas as coisas em um filme só.
Se esta fórmula já havia rendido pequenas obras primas como Cães de Aluguel, Pulp Fiction e o mais recente Bastardos Inglórios, em Django Livre ela atinge seu ápice: Tarantino continua insano, violento, pop... e agora encontrou em Cristoph Waltz o parceiro ideal para fazer o público delirar.
É inegável que o ator austríaco mais uma vez rouba a cena - ele já havia sido arrebatador como o Cel. Hans Landa de Bastardos Inglórios. Mas o mais interessante é a estrutura narrativa que Tarantino escolheu para desenvolver a jornada dos dois personagens, o Dr. King Schultz (Waltz) e Django (Jamie Foxx). No primeiro ato, Django é apenas um coadjuvante, impressionado ao conhecer aquele homem dúbio capaz de gestos nobres como condenar a escravidão dos negros e atitudes vis como matar um homem que está ao lado do filho adolescente. Cristoph Waltz domina o filme até a apresentação do personagem de Leonardo DiCaprio, o ponto central da história de Django e sua esposa Brunhilde, cuja inspiração Tarantino buscou em uma antiga lenda Germânica. A partir daí, é a vez de Jamie Foxx e Leonardo DiCaprio brilharem, principalmente o astro de Titanic, que mais do que nunca mostra que amadureceu como ator e está sensacional. O embate entre os três personagens rende cenas memoráveis.
Por ser um amante do cinema e conhecedor profundo de gêneros e subgêneros cinematográficos, Tarantino não faz em Django Livre apenas um simples western. Obviamente que existe toda a atmosfera necessária para o público acreditar no contexto, desde xerifes corruptos a províncias inteiras sem lei; mas o diretor acrescenta seu toque pessoal fazendo as mais diversas referências, como a hilária sequencia que parodia David Wark Griffith e seu controverso O nascimento de uma nação (por sinal parece ser uma critica bem humorada de Tarantino aos detratores que insinuaram que seu filme era racista, fato compartilhado pelo colega no início do século passado), que ainda conta com uma participação especial de Jonah Hill; ou a já espetacular cena do jantar na fazenda de Calvin Candie (DiCaprio), que remete aos trabalhos de Thomas Vinterberg e Lars Von Trier em filmes como Festa de Família e Os idiotas.
Mas não apenas do talento do diretor e do elenco vive Django Livre. Em entrevistas recentes, Tarantino confessou considerar o roteiro deste filme seu melhor trabalho. Mesmo que não seja totalmente verdade, é fato que a narrativa é ágil, os personagens são todos bem desenvolvidos e o terceiro ato é sensacional, mas faltou um pouco da genialidade típica do diretor na criação de diálogos marcantes (depois de Pulp Fiction, Kill Bill e Bastardos Inglórios, ficamos mal acostumados). A fotografia do filme ficou a cargo do excepcional Robert Richardson, que após nos emocionar com o lirismo e a beleza dos enquadramentos perfeitos de As invenções de Hugo Cabret captura com perfeição as paisagens do oeste americano e as movimentadas cenas de ação da mente insana de Tarantino. Preste atenção para a cena logo no começo do filme em que o Dr. Schultz pega duas canecas de chopp: arte se faz nas coisas mais simples.
Como em Kill Bill, a montagem é essencial para Django Livre. As sequencias de ação são geniais, e não são poupados sangue, balas e vísceras por todos os lados. Apesar de cortes rápidos e pouquíssimo uso de câmera lenta, Tarantino não ousa demais, seguindo um padrão já utilizado em suas demais obras. O montador, Fred Raskin, já havia trabalhado com o diretor como assistente, e mostra que tem talento para assumir desafios maiores daqui para a frente.
E como falar de um filme de Tarantino sem dar destaque à trilha sonora? Como sempre, o diretor mostra seu bom gosto ao fazer um salada pop bem dosada que agrada a gregos e troianos e não desanda ao acompanhar a ação que se desenrola na tela. O tema de Django, interpretado por Luis Bacalov gruda na cabeça tanto quanto as músicas dos comerciais do cigarro Hollywood dos anos 80, e ainda tem James Brown, Jim Croce, Jerry Goldsmith e até Samuel L. Jackson. Destaque para os temas orquestrados do mestre Ennio Morricone.
Django Livre arrebatou 5 indicações para o Oscar, incluindo melhor filme. Certamente não será o vencedor, pois a academia ainda não está preparada para premiar um estilo como o de Tarantino, principalmente em uma época em que, nos EUA, volta-se à discussão desnecessária sobre a influência da violência dos filmes na sociedade. Bem estranho esta preocupação em um país em que comprar um arma é tão fácil quanto comprar um ingresso de cinema.
Cotação: ****
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