Crítica: Cloud Atlas
Os irmãos Andy e Lana Wachowski, pelo visto, não perderam a síndrome do rei na barriga mesmo depois do fracasso de Speed Racer. A adaptação do mangá custou mais de 120 milhões aos cofres da Warner e faturou pouco menos da metade deste montante nos EUA (curiosamente, trata-se do melhor filme da dupla). Depois de alguns anos apenas atuando nos bastidores como produtores, de onde saíram produtos bem sucedidos como V de Vingança e micos como Ninja Assassino, resolveram unir-se ao visionário alemão Tom Tykwer - diretor do delicioso e visualmente impactante Corra Lola, Corra - para adaptarem o considerado infilmável romance de ficção Cloud Atlas. Com tanta soberba quanto em Matrix, eles entregam um trabalho novamente cheio de técnica e repleto de furos de roteiro, enfeitado por um punhado de filosofia de botequim.
Cloud Atlas já começa errado na duração: cerca de 3 horas, em que somos apresentados a pelo menos 6 histórias distintas, que se passam em linhas temporais que variam de um passado distante ao futuro pós-apocalíptico de nosso planeta. Os personagens são representados por um elenco de peso que faria inveja a muito cineasta experiente por aí: Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugo Weaving, Hugh Grant, Jim Sturgess, Susan Sarandon, Ben Whishaw e os menos conhecidos Xun Zhou e James D'Arcy, dentre outros. Eles alternam nacionalidades, sexos e tipos físicos, muitas vezes amparados por um trabalho competente de maquiagem, outras, nem tanto. A impressão é que algumas atuações se amparam demais na superficialidade imposta pela narrativa.
Uma narrativa que ajuda bem pouco. Cloud Atlas, assim como Matrix, é confuso sem a necessidade de assim sê-lo. Os Wachowski sentem a necessidade a todo o tempo de provocar esta confusão na platéia, através de uma cadeia de eventos que, teoricamente, seguiria o pensamento filosófico exemplificado pela ideia de que uma simples escolha que temos, por menor que seja, pode ser determinante para o nosso futuro. A partir desta premissa, o filme trabalha conceitos como o fato de todas as raças se interligarem através dos tempos e que, ao vivermos, somos ao mesmo tempo passado, presente e futuro, e que nossas ações sempre refletem situações do passado.
Quando você se percebe realmente ligado à alguma das histórias do filme, pode ter certeza que está acompanhando uma das sequencias dirigidas por Tom Tykwer. Coube ao alemão tomar para si todas aquelas cujos fluxos temporais fixavam-se no passado, incluindo a melhor delas, que narra a experiência de um jovem pianista na casa do famoso compositor Vyvyan Ayrs (Jim Broadbent). Durante sua estada, ele tem a inspiração para compor uma obra-prima, o Sexteto Cloud Altas. Ayrs, no entanto, pretende assumir a autoria da música e ameaça revelar a orientação bissexual do rapaz, que precisa decidir entre a fama e seu grande e verdadeiro amor. Esta trama torna-se o centro nervoso de Cloud Atlas, juntamente à linha narrativa futura que discute (mais uma vez!) a questão ética que está por trás da clonagem de espécies.
Tantos personagens, você perguntaria, dariam chance para os atores chamarem atenção? Bem, nem tanto. As histórias em Cloud Atlas não são bem desenvolvidas, e o tempo de tela acaba não sendo suficiente para nenhum dos intérpretes conseguir convencer, à exceção de Jim Broadbent, que apesar de protagonizar o segmento mais tolo - um editor que acaba largado em um asilo com uma enfermeira sádica após ser traído pelo irmão mais velho e precisa da ajuda de outros velhinhos para se livrar do local - também consegue se destacar nas demais aparições. Alguns atores parecem perdidos (caso de Halle Berry) e outros, simplesmente caricatos (Hugo Weaving e Hugh Grant, que não deveriam sequer assistir ao filme para não se assustarem com o nível elevado de canastrice que conseguiram alcançar).
Os efeitos especiais do filme são bonitos, mas peca-se pelo uso excessivo do chroma key e alguns ambientes virtuais que não conseguem convencer quando conectados aos atores e demais objetos de cena (coisa que em Avatar James Cameron conseguiu fazer tão bem). A fotografia do filme é belíssima, mas também acaba prejudicada pelo excesso de artificialidade. A edição acerta na conexão das tramas e no vai e vem entre os tempos, mas o resultado final é insatisfatório considerando a nítida diferença de tom entre a visão dos cineastas; fica claro, inclusive, que o montador tentou consertar na pós-produção um caldo que já estava entornado.
Uma das maiores surpresas no festival de Toronto, onde foi aplaudido por parte dos críticos que estava e sua cabine de exibição, Cloud Atlas gerou altas expectativas na temporada de prêmios que antecede o Oscar 2012. Nas bolsas de apostas, agora, não se fala sequer em indicações nas categorias técnicas, já que a opinião geral é de que o filme é plastificado demais. Talvez seja melhor Andy e Lana se concentrarem mais no mundo real e esquecerem um pouco do filosófico, mas, principalmente, deixarem o bom Tom Tykwer em paz. Ainda bem que este sai com a reputação (quase) ilesa.
Cotação: *
Comentários
Postar um comentário