Crítica: Amor


A pressa que temos em seguir com todas as nossas responsabilidades cotidianas às vezes mascara uma verdade dura e irreparável: a vida não é tão longa quanto parece. Nós envelhecemos mais rápido do que gostaríamos, e nossos entes queridos com velocidade ainda mais esmagadora. Ao olharmos álbuns de fotografias, aquelas lembranças, por mais que sejam felizes, ferem nossa alma por dentro como ferro em brasa. Somente um cineasta como Michael Haneke para conseguir externalizar todos estes sentimentos de forma tão sutil e ao mesmo tempo tão intensa.

O diretor austríaco, autor de obras perturbadoras como Violência gratuita, Cachê e A Fita branca é um mestre em expor em seus filmes os mais complexos sentimentos humanos. Neste seu último projeto, ele trabalha aquele que é o mais puro deles de uma forma emocionante e poderosa, não poupando os expectadores de sofrer a cada momento junto com seus personagens. Amor é um filme que representa na síntese o que seu título significa.


Amor conta a história de Georges e Anne, um casal de professores de música aposentados que vive há mais de cinquenta anos um casamento em que são eternos namorados. Esta relação de amor incondicional passa por um teste doloroso quando Anne sofre um ataque provocado por um mal súbito da velhice, que leva o lado esquerdo do seu corpo a um estado de paralisia. Georges não aceita as pressões da filha e dos médicos para um tratamento mais direcionado à esposa e prefere dedicar-se inteiramente a ela em casa, acompanhando dia a dia a piora da doença e a decaída de seu verdadeiro e único amor, que o levará a uma difícil e desesperada decisão.

Haneke utiliza a seu favor em Amor todos os recursos de linguagem que são peculiares em suas obras, como a câmera parada em uma determinada cena em que os atores podem agir o mais naturalmente possível, quase que sem seguir efetivamente um script. O filme também é simples na forma, praticamente tendo como locação o apartamento onde moram Georges e Anne, em que cômodos e mobília, quando perfeitamente integrados à ação, tornam-se quase que personagens junto aos atores. Tudo está ali para dizer algo, para complementar a sensação outrora de liberdade que Anne possuía ao desfrutar daquele ambiente, sadia, com Georges observando-a compor ao piano, e o sentimento angustiante de impotência que ela sente depois quando está totalmente dependente do marido e definitivamente presa àquelas paredes, que agora parecem sufocá-la.

O diretor acreditava tanto na grandiosidade de seu texto que não poderia deixar de trazer grandes interpretes para seus personagens. Se Emannuelle Riva está emocionando o mundo outra vez (como já havia feito em Hiroshima, meu amor) com sua atuação impressionante premiada em praticamente todos os festivais do mundo, não se pode deixar de lado o trabalho fantástico de Jean-Louis Trintignant (A Fraternidade é Vermelha), que como Georges carrega apenas no olhar todo o carinho, a angústia, o desespero e a paixão do personagem e de todos os expectadores junto com ele. Ver a dupla de atores em cena é um exemplo de que seria muito bom se existissem mais roteiros que explorassem personagens maduros para que tivéssemos a oportunidade de nos emocionar mais vezes com estes talentos extraordinários. Apesar de aparecer pouco, Isabelle Rupert, como sempre, esbanja competência e elegância. 

A experiência de assistir Amor não é simples e agradável como o título sugeriria. É provável que algumas pessoas se sintam pessoalmente mais tocadas pelas mensagens que são transmitidas pelo filme - algumas delas através de metáforas, de diálogos aparentemente fora do contexto e até na montagem de algumas sequencias. Haneke é adepto do cinema verdade, doe a quem doer. E algumas verdades doem muito mais quando são vistas do que apenas quando são ditas. 

Seja em sua forma de filmar ou de pensar a realização de seus filmes, Michael Haneke é um dos mais importante expoentes do Cinema atual. A indicação ao Oscar de melhor diretor é o reconhecimento da maior escola do mundo a um mestre que ainda tem muito o que oferecer à sétima arte, e que, pelo visto, ainda vai nos fazer derramar muitas lágrimas.

Cotação: ****

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