Crítica: O Hobbit - uma jornada inesperada

Em 2000, a notícia de que um diretor quase desconhecido estava se unindo a um pequeno estúdio com uma proposta ambiciosa provocou risos e desconfiança em Hollywood. A ideia era transpor para o cinema a para muitos inadaptável obra de fantasia O Senhor dos Anéis como uma superprodução milionária. O diretor era Peter Jackson, e o estúdio era a New Line, cujo projeto até então mais conhecido era a comédia O Máscara. 4 anos, 2,9 bilhões de dólares e 17 Oscars depois, o Cinema de fantasia nunca mais seria o mesmo.

Nem parece que já faz quase uma década desde a nossa última visita à Terra Média. Neste tempo, Peter Jackson tornou-se um dos maiores diretores da atualidade, e esteve por trás de outros sucessos como  o remake de King Kong e a adaptação da obra de Hergè As aventuras de Tintim - o segredo do Licorne. Atores como Viggo Mortensen e Orlando Bloom tornaram-se astros de sucesso internacional. E a Weta, a empresa de Jackson que criou os efeitos visuais impressionantes da trilogia, tornou-se a mais importante e elogiada do setor.

O sucesso de O Senhor dos Anéis não passou despercebido pelos executivos de Hollywood, que queriam mais da obra de J.R.R. Tolkien nos cinemas. Começou então uma batalha judicial pelos direitos da obra que iniciou o universo fantástico do autor na literatura: O Hobbit, um livro mais leve que Tolkien havia escrito para seus filhos pequenos. Entre idas e vindas com a MGM, passou pelo projeto o visionário Guilhermo Del Toro, que pela demora optou por priorizar outros projetos. Sobrou para Peter Jackson, então apenas produtor, tocar a empreitada para frente, já com a ideia de transformar o livro em um filme de duas partes. Mas, durante a produção, e enxergando no material já filmado maiores possibilidades, ele decidiu tornar a jornada de Bilbo Bolseiro e a companhia de anões em uma nova trilogia. Mais do que isso: ele não estava mais apenas adaptando O Hobbit, mas sim toda a obra do autor espalhada por outros livros (por exemplo, O Silmarillion) e nas apêndices de O Senhor dos Anéis. O resultado é este soberbo O Hobbit - uma jornada inesperada.
 
 
Quem conhece a obra do escritor percebe logo de cara que o projeto é muito mais do que apenas a adaptação do livro de mesmo nome. Por mais que hajam interesses mercadológicos envolvidos (três filmes, obviamente, são mais lucrativos que um), esta nova trilogia esta sendo preparada para ser uma ponte perfeita para a Trilogia do Anel, e uma forma de Peter Jackson homenagear seu próprio trabalho e dos atores e demais envolvidos na produção. Reencontrar Ian Holm e Elijah Wood já nas primeiras cenas como Bilbo e Frodo já deixa isso bastante claro: Jackson consegue criar um prólogo tão envolvente quanto o de O Senhor dos Anéis: a Sociedade do Anel.
 
A paixão com que o material de Tolkien é tratado pelas roteiristas Fran Walsh e Phillipa Boyens continua sendo o grande chamariz dos filmes. Bastam apenas alguns minutos para colocar o expectador de volta no ambiente épico e mágico da Terra Média, com cenários e paisagens fabulosos tratados pelo que há de melhor na computação gráfica (Erebor, a cidade dos anões, surge explêndida) e diálogos concisos e bem amarrados para os personagens. Aqui ainda há um desafio maior: no livro, os anões com frequencia entoam melodias, fato que não é unanimidade entre os Tolkien maníacos. Mas optou-se pela fidelidade, utilizando o trabalho genial de Howard Shore para entregar uma música divertida que apresenta a companhia de anões e a já clássica e inesquecível Misty Mountains, que se torna facilmente a alma do filme e define o tom que a aventura vai tomar.

O roteiro redondo permite que o expectador faça uma viagem completa pelo universo do autor já nesta primeira parte. Bilbo aqui é representado na juventude pelo excelente ator inglês Martin Freeman (O guia do mochileiro das galáxias), que vive sua vida pacata no Condado sem grandes preocupações, até receber a visita de Gandalf e dos treze anões liderados pelo nobre Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage, fabuloso), que pretendem partir em uma jornada para reaver sua terra tomada à força pelo Dragão Smaug. As motivações dos personagens se tornam mais fortes que as apresentadas pelo livro, o que permite ao diretor tomar um rumo mais emocional e grandioso, inclusive para a entrada de Bilbo no grupo. Também ficam mais claros os objetivos de Gandalf, apenas mencionados na obra original, e que aqui permitem a apresentação de novos personagens (como Radagast, interpretado de forma divertida pelo ator Sylvester McCoy) e o retorno de velhos conhecidos como Hugo Weaving, Cate Blanchett e Christopher Lee, que repetem suas atuações como Elrond, Galadriel e Saruman.

Da mesma forma que em O Senhor dos Anéis, não temos nessa primeira parte a exploração direta do grande vilão. Smaug faz apenas aparicões de relance, mas o pouco que se vê já dá ideia de que será a melhor transposição de um dragão já feita para o celulóide. O vilão do filme  é uma liberade criativa de Jackson que permite um desenvolvimento maior do personagem de Thorin, necessário para criar a identificação do mesmo com o público. Muito esperado, o retorno de Gollum é também um destaque, uma vez que a criatura que recebe os trejeitos e a voz do ator Andy Serkis está ainda mais perfeita e protagoniza com Bilbo os melhores momentos do filme, extremamente fiéis aos escritos de Tolkien.

Tecnicamente, não se podia esperar pouca coisa depois de quase 10 anos de evolução nos efeitos visuais da trilogia original até aqui. Mas O Hobbit - uma jornada inesperada ainda reserva ao expectador uma surpresa que ainda mexe com os cinéfilos mais saudosistas: a nova tecnologia de 48 quadros por segundo, que aproximas as imagens à realidade e está mais parecida com a TV digital do que com o Cinema. Jackson não poupou esforços em aproveitar os novos recursos e enche seu filme de sequencias inteiras com paisagens de cair o queixo, belíssimamente fotografadas e com uma riqueza de detalhes que fará muita gente derramar lágrimas sem ao menos perceber. Além disso, utiliza o 3D de forma inteligente com variações de profundidade, da mesma que foi feito em Avatar e no mais recente A invenção de Hugo Cabret. Para as sequencias finais, novamente pode-se contar com o talento da equipe de editores que escolheu o momento perfeito para o filme terminar e deixar todos na poltrona desesperados por imaginar que teremos que esperar um ano para continuar a aventura. Um verdadeiro Déjà vu.

O maior problema de O Hobbit - uma jornada inesperada? A curiosidade que te dá em saber o que Peter Jackson faria se tivesse dividido cada filme da trilogia do anel em três partes. Certamente podemos considerar este fato hoje em dia, em que uma série de TV como Game of Thrones consegue adaptar um livro de 600 páginas em 10 episódios de 1 hora de duração que não perdem o ritmo em momento algum. É fato que Jackson é o verdadeiro Senhor dos Anéis.

Cotação: ****

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