Crítica: Gonzaga - de pai para filho

Breno Silveira é um dos mais experientes profissionais do cinema nacional atual. Como muitos no país, começou de forma simples, atuando no departamento de som em produções menores. Trabalhou como fotógrafo na produção que representou a retomada do nosso cinema, Carlota Joaquina. Tornou-se produtor de filmes como Gêmeas. Dirigiu curtas metragens, até se tornar escritor e diretor de 2 filhos de Francisco. Um caminho árduo, percorrido ao longo de mais de 20 anos.

O sucesso do filme que contava a história de Zezé de Camargo e Luciano colocou seu nome de vez nos holofotes, mas seu projeto seguinte, Era uma vez, não conseguiu repetir o êxito do antecessor. O segredo, então, foi partir em busca de outra figura icônica de nossa vasta galeria de artistas da música popular, para novamente contar um pouco de sua história. Desta vez, os escolhidos foram o Rei do Baião e seu filho, os personagens de Gonzaga - de pai para filho.


Mas diferente de 2 filhos de Francisco, em que a figura central da história era o pai dos artistas Zezé de Camargo e Luciano, responsável maior pela história de sucesso da dupla, Gonzaga - de pai para filho concentra-se na trajetória de Luiz Gonzaga, do anonimato ao triunfo como um dos maiores representantes da música popular do país, e como esta caminhada rumo ao sucesso o separou do filho. Breno Silveira não retrata o Rei do Baião de forma romântica: o diretor apresenta as virtudes e defeitos do artista, bem como do filho, Gonzaguinha. O resultado é um retrato humano e emocionante de dois ícones que nunca foram esquecidos pelos fãs.

Gonzaga - de pai para filho não segue uma sequencia linear de acontecimentos. O filme começa mostrando flashes da infância de Gonzaguinha, em que ele relembra a difícil convivência com o pai, nos poucos momentos em que ele não estava ausente. Era o ano de 1981, e o artista fazia sucesso por todo o país. Ele fica sabendo que o pai está falido e passando por necessidades, e vai para Pernambuco encontrá-lo. A partir deste encontro, pai e filho travam o embate definitivo, uma entrevista, onde a história de vida do pai e suas motivações e culpas são pela primeira vez expostas para o filho, que ainda não consegue esquecer da mágoa que sente por ele pelos anos de abandono.

A história deste encontro real é a ponte para uma biografia completa de Luiz Gonzaga, de sua infância sofrida no sertão, passando pela adolescência no exército e a vida adulta no Rio de Janeiro, onde construiu, à base de suor e sofrimento, sua reputação como ícone da música para as massas. Entre causos e dramas, conhecemos o aspecto sombrio de sua personalidade, o senso de caráter que não lhe permitia quebrar uma promessa que tivesse feito aos entes queridos e o carisma que contagiava os amigos, conhecidos e o público. 

Para construir a história de vida de Luiz Gonzaga, Breno Silveira contou com três atores que tiveram a difícil tarefa de retratar o Rei do Baião nas diversas etapas de sua vida. Land Vieira, Chambinho do Acordeão e Adélio Lima realizam grandes trabalhos, mas é o último que é o responsável pelas maiores emoções do longa, representando o artista na maturidade. Ainda mais impressionante é a transformação de Júlio Andrade em Gonzaguinha. Quem acompanhou o ator global como o mordomo Arthurzinho em Passione vai demorar a perceber que se trata da mesma pessoa. Os embates entre Adelio e Julio em cena levam Gonzaga - de pai para filho a outro patamar de qualidade. A emoção transmitida pelos atores é tão genuína que vai ser difícil não rolarem lágrimas pelo seu rosto ao final do terceiro ato.

Para complementar o excelente roteiro e produção, além da escolha perfeita dos protagonistas, Breno Silveira ainda acertou nas participações especiais. Quem novamente rouba a cena é João Miguel, que precisa de alguns minutos na tela para construir mais uma atuação memorável. Também se destacam Sílvia Buarque (como a madrinha de Gonzaguinha, Dina) e Cássio Scapin, que faz um divertido retrato do cantor Ary Barroso. 

Gonzaga -  de pai para filho é um excelente retrato de épocas. A boemia do centro da cidade do Rio de Janeiro, os grandes salões de festas da Lapa, o estúdio do programa da rádio: todas as locações foram especialmente bem elaboradas pela equipe técnica do longa. Obviamente que a trilha sonora é um show à parte, com Asa Branca e O que é, o que é puxando a sequencia de composições inesquecíveis dos dois mestres.

Com o grande sucesso de público (mais de 1 milhão de pessoas prestigiaram o filme em três semanas de exibição), Gonzaga -  de pai para filho é uma grata surpresa para o cinema nacional, em um ano em que as fórmulas fáceis e comediantes stand-up continuam a poluir nossa já não tão respeitada cinematografia. Que venham outros filmes de verdade para fazer valer a reserva de salas para o produto feito por aqui, afinal de contas, as cotas só valem a pena se representarem qualidade, por mais polêmica que esta afirmação seja.

Cotação: ***

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