Crítica: Cosmópolis

É muito difícil falar de um filme de David Cronenberg sem tocar em algum tipo de polêmica. O cineasta Canadense tem um curriculum de trabalhos bastante diversos, mas que possuem quase sempre características comuns: são difíceis, visualmente arrojados e com sequencias de diálogos que variam entre o surreal e o escatológico, mas sempre com tiradas geniais. Definitivamente, não são filmes feitos para crianças.

Cronenberg gosta de desafios ao selecionar os elencos de seus filmes. Assim como Martin Scorcese, que catapultou a carreira do então galã teen Leonardo DiCaprio para o respeito crítico internacional com sequencias de grandes personagens (Gangues de Nova York, O Aviador, Os infiltrados e Ilha do Medo estão aí para provar), Cronenberg resgatou Viggo Mortensen da obra de fantasia O Senhor dos Anéis e o colocou no alto escalão de Hollywood com filmes como Marcas da Violência, Senhores do Crime e o mais recente Um método perigoso. Era a vez, então, de fazer o mesmo pela carreira de Robert Pattinson, revelado pelo papel de vampiro sem sal em Crepúsculo e que, na visão do diretor, tinha um grande potencial a ser trabalhado.

Aqui entra a grande polêmica da vez: a presença de Robert Pattinson é um ponto favorável e ao mesmo tempo uma maldição para Cosmópolis. Ponto favorável pois o ator se sai muito bem no papel de um jovem gênio do mercado financeiro; maldição pois sua presença no filme traz às salas de cinema dezenas de irritantes adolescentes que são fãs de seu trabalho em Crepúsculo e sequer se deram ao trabalho de pesquisar a carreira do diretor para saber que, nem de longe, iriam encontrar um filme que pura e simplesmente se aproveitaria do rostinho bonito do ator para atrair a audiência.


Cosmópolis é um complexo drama sobre jogos de poder e o lado destrutivo do ego. Pattinson é Eric Packer, um yuppie especialista em modelos de tendências monetárias. Enquanto inicia um perigoso movimento no mercado, ele passeia de limousine em um dia de protestos e visitas oficiais em uma engarrafada Nova York, procurando por um local para um corte de cabelo. Seu objetivo não é menos superficial que seus relacionamentos pessoais, que incluem um casamento de aparências que serviu apenas como cartão de visitas para os negócios. Packer sente-se perdido frente a atual reviravolta econômica do yuan (a moeda chinesa), e as inúmeras pessoas que encontra  para discuti-la não conseguem modificar sua confusão. A iminência de uma derrota fará com que ele altere para sempre o rumo de sua vida.

Pode parecer simples, mas não é. Cronenberg mais uma vez se utiliza de diálogos ásperos e complexos para discutir sobre economia, política e a natureza do ser frente a um mundo cada vez mais dominado pela imagem e pelo poder. Não é estranho que o diretor tenha escolhido adaptar o romance de Don DeLillo depois de aprofundar-se nas questões freudianas em Um método perigoso. O protagonista tem dilemas existenciais que seriam um deleite para o renomado médico austríaco. Packer não demonstra conhecer nenhuma espécie de emoção que não esteja ligada diretamente a uma demonstração de poder. Nem mesmo a informação de que sua vida está em risco parece abalá-lo, tampouco sacar uma arma e atirar no seu próprio guarda-costas. Sua posição é inabalável - uma crítica clara de Cronenberg ao fato de que os ricos e poderosos podem fazer aquilo que quiserem sem se preocupar com as consequências de seus atos. 

Novamente o diretor usa e abusa da atuação antinaturalista, até mesmo nas inúmeras participações especiais - em que se destacam Paul Giamatti, Samantha Morton e Juliette Binoche. Cuidadoso no manejo da performance de seus astros, o diretor sempre consegue atuações muito acima da média. Aqui, a maior surpresa é a cena final, um embate vigoroso entre os personagens de Pattinson e Giamatti. O diretor utiliza toda a sua perspicácia estética para compor uma sequencia que surpreende pelo rumo que toma. Genial.

Cosmópolis é uma experiência cinematográfica como poucas. É daquele tipo de filme que deve ser digerido com calma, principalmente depois da sessão, quando com espaço para reflexão seus complexos discursos narrativos farão mais sentido. Cronenberg é daqueles diretores que gostam de dar para a platéia trabalho de casa. 

Cotação: ****  

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