Crítica: 360

Peter Morgan é um dos roteiristas mais disputados atualmente em Hollywood. Sua lista de trabalhos memoráveis é extensa: são dele os roteiros de sucessos como A Rainha, O Último Rei da Escócia e Frost/Nixon, dramas políticos que retratam com precisão personalidades da história recente; e Além da Vida, filme de temática espírita que contou com o talento de Clint Eastwood por trás das câmeras. Em todos estes trabalhos, um ponto importante em comum: o cuidado e eficiência com que foram desenvolvidos os personagens.

Fernando Meirelles também tem uma carreira digna de elogios: impressionou público e crítica com  Cidade de Deus, uma obra prima do nosso cinema; iniciou de forma promissora a carreira internacional com o polêmico O Jardineiro Fiel, que adaptou o livro homônimo de John Le Carré e arrebatou o Oscar de atriz coadjuvante para Rachel Weisz; e apresentou para o mundo a obra de José Saramago no perturbador Ensaio sobre a cegueira. Meirelles se destaca em todos os seus trabalhos pela maneira ágil e inovadora de filmar, mostrando um domínio de linguagem que se equipara aos grandes mestres da sétima arte.

Uma mistura destes dois grandes talentos não poderia resultar em um filme qualquer: 360 é um drama poderoso, de elenco multi-étnico, feito sob medida para um Cinema que está cada vez mais globalizado.


Hollywood abriu de vez a porteira para os talentos espalhados ao redor do planeta. Em 360, temos um diretor e atores brasileiros, outros tantos atores europeus, astros do cinema norte-americano e uma equipe técnica que também conta com diversas nacionalidades (o montador brasileiro Daniel Rezende é um deles). Mais impressionante é o roteiro do filme, que possui diálogos em inglês, russo, eslovaco, alemão e até português. Essa diversidade pode parecer comum para o público, mas quem conhece o cinema americano sabe que não é bem assim. A resistência aos filmes legendados pelo público na terra do Tio Sam é uma realidade, mas hoje não é apenas a bilheteria em terras americanas que representa o sucesso ou fracasso de um filme: os outros grandes mercados mundiais (Alemanha, França, Japão, China, Coréia, México, Rússia, Grã-Bretanha, Austrália e Brasil, para citar os maiores) são cada vez mais significativos. Fazer cinema em Hollywood, hoje, é fazer filmes de exportação. Este movimente de utilização da mão de obra estrangeira, logo, vai se tornar cada vez mais comum.

O mais interessante é que 360 mistura muito bem esta temática global ao tratar dos mais diversos relacionamentos amorosos entre pessoas de diferentes nacionalidades e classes sociais. Meirelles e Morgan costuram uma trama com muitos personagens (similar ao que foi feito por Alejandro González Iñárritu em Babel) que, na teoria, estariam conectados, de uma forma ou outra. É literalmente um giro de 360 graus por estas histórias, onde a força do roteiro é vital para fazer a audiência comprar a mensagem que está sendo passada pelo diretor e o roteirista.

As locações em capitais como Londres, Paris, Viena e Bratislava caem como uma luva para a proposta do longa metragem. A capital Eslovaca é hoje uma das cidades do Leste Europeu que mais se desenvolvem, e já não está mais à sombra da vizinha e mais importante Viena. Não por menos, as disparidades sociais entre as duas cidades são expostas de forma nua e crua, expondo as mazelas do atual sistema capitalista deste mundo globalizado. Os personagens de Maria Flor e Juliano Cazarré, dois brasileiros que tentam a sorte em Londres, também ressaltam este ponto de vista do roteiro.

360 demonstra toda o talento de Fernando Meirelles na direção de atores. O elenco é espetacular, e conta com nomes como Anthony Hopkins, Rachel Weisz, Jude Law e o cada vez melhor Ben Foster (que tem grande destaque em uma pequena participação como um ex-presidiário condenado por um crime de cunho sexual). Mesmo os jovens atores brasileiros se destacam. A grande questão é que nenhum personagem tem muito tempo de tela, o que pode fazer os expectadores não se identificarem com alguns deles. Aliás, é geralmente a crítica mais comum feita a este tipo de filme.

Talvez o único porém em 360 seja a nítida impressão que algumas histórias funcionam melhor do que outras. Isto fica mais claro na sequencia que se passa em Paris, e envolve um dentista muçulmano apaixonado pela sua ajudante francesa, que corresponde esta paixão, mas não tem coragem de se declarar. O lado fraco, no entanto, é compensado pela trama principal - que acompanha uma eslava que se prostitui em Viena para ajudar a família e conseguir dinheiro para os estudos da irmã -, que tem um desfecho impressionante. A forma de conectar as histórias é inteligente, exige reflexão e te faz pensar por muito tempo depois de encerrada a sessão. 

360 é mais um trabalho consistente na carreira de Fernando Meirelles, e motivo de orgulho para a produção cinematográfica brasileira. Vamos ver o que a experiência com pequenas histórias vai contribuir para sua sequencia em Rio de Janeiro, eu te amo, o novo capítulo da série que já reuniu cineastas de todo o mundo para homenagear Paris e Nova York e agora viaja para terras tupiniquins. Estamos mesmo na crista da onda, até em Hollywood.

Cotação: ***

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