Crítica: O espetacular Homem Aranha

Para algumas pessoas, é mais difícil entender as diferenças que existem entre as diversas mídias que compõem a cultura pop. Quadrinhos e Cinema são bastante diferentes, e para alguns, causa estranheza que qualquer tipo maior de aproximação se torne mais evidente. É o que está acontecendo com o reboot que a Sony está fazendo com sua mais lucrativa franquia, Homem Aranha.

Nos EUA, o mercado de quadrinhos atua com uma quantidade vasta de profissionais, que se dividem entre as maiores editoras (Marvel e DC) e entre os múltiplos títulos das mesmas. As coleções dos célebres personagens são chamadas de séries, e a periodicidade de cada material segue caminhos distintos, com alguns títulos sendo lançados mensalmente, outros bimestralmente, e no caso de heróis menos populares, apenas em edições especiais ou mini-séries. Como um dos maiores ícones da Marvel, o Homem Aranha sempre teve tratamento especial pela editora, e suas histórias são publicadas em várias séries, passando por um tratamento que envolve equipes técnicas totalmente diferentes em cada título, e até versões diferentes do personagem ao mesmo tempo (regular e ultimate). Por que, então, no Cinema não poderíamos ver um Peter Parker, ou Homem Aranha, se preferirem, diferente daquele que foi interpretado por Tobey Maguire?

Ok, não foi por este motivo que a Sony partiu para este novo projeto. Apesar do grande sucesso financeiro, Homem Aranha 3 foi arrasado pelo crítica e por grande parte do público - mais precisamente pelo panteão de fãs do aracnídeo - pelas falhas que apresentou em roteiro e no próprio desenvolvimento da história. Sam Raimi, que até ali tinha recebido carta branca para certas liberdades criativas (como a teia do herói, que em sua versão era orgânica e não uma invenção do jovem garoto prodígio), teve que ceder à pressão do estúdio e dos produtores para colocar o popular vilão Venom no terceiro filme, personagem que publicamente o diretor já havia declarado não apreciar. Juntando os problemas de "divergências criativas" com o notório envelhecimento do elenco e o fecho claro do arco que o diretor quis desenvolver, um Homem Aranha 4 ficou cada vez mais distante de acontecer, o que era um risco para a Sony, já que o contrato que prevê os direitos do personagem para o estúdio não permite que ele fique anos e anos na gaveta, sob pena de voltar à propriedade da Marvel. 

Foi assim que tomou-se o caminho para O espetacular Homem Aranha, que chega aos cinemas para recontar a origem o herói, contando com um elenco afiado de estrelas em ascensão, um excelente diretor de atores - Mark Webb, cujo trabalho mais recente é o sucesso de crítica (500) dias com ela -, um novo vilão e muita, muita desconfiança por parte dos fãs mais xiitas.


Se a desconfiança dos fãs era justificável ou não, para a Sony acabou sendo uma faca de dois gumes: a estreia do filme bateu recordes (sua bilheteria na última terça-feira, véspera do feriado de independência americana, foi a maior já registrada por um filme neste dia específico da semana) e o boca a boca sobre as mudanças, acertos e erros provocou uma curiosidade geral no público, que continua lotando as salas e fazendo o resultado dos primeiros dias de exibição superarem as perspectivas mais otimistas dos engravatados do estúdio.

Mas vamos falar do filme. O espetacular Homem Aranha começa nos mostrando a infância do personagem e o momento em que seus pais o deixam sob tutela dos tios, Ben e May Parker, para partirem juntos em uma missão que envolvia o trabalho dele como geneticista na Oscorp (empresa do milionário Norman Osborn, que os fãs do personagem e pessoas que viram a trilogia de Sam Raimi sabem que está destinado a se tornar o Duende Verde). Mais tarde, com Peter Parker já crescido, seu Tio Ben lhe conta que seu pai trabalhara junto com o cientista Curt Connors, que depois do sumiço de Richard e sua esposa, jamais tornou a procurar a família de Peter. É quando vai a Oscop para falar com Connors que Peter acaba sendo picado pela aranha que confere a ele seus poderes, que, coincidentemente, havia sido criada por seu pai.

Diferente de Sam Raimi, que rapidamente resolve os dilemas do personagem no colegial e já coloca Peter na vida adulta, Mark Webb preferiu recontar a história se focando nos dilemas de adolescente do personagem, e também apresentando seu primeiro amor, Gwen Stacy. Esta escolha, por si só, é um grande acerto, pois Andrew Garfield e Emma Stone mostram uma química impressionante como o casal protagonista, desde a primeira cena juntos. Garfield, que muitos olharam com desconfiança quando recebeu o papel, dá um show de atuação, e ainda tem a ajuda do fato de se parecer muito mais fisicamente com o personagem do que seu antecessor. Além disso, nas cenas em que aparece como Homem Aranha, sua personalidade foi moldada com muito mais proximidade ao que vemos nos quadrinhos, com Peter fazendo piadinhas e desdenhando dos bandidos e da polícia a todo tempo. 

Assim como os protagonistas, o vilão também não decepciona. Rhys Iffans se sai muito bem como Curt Connors, desenvolvendo uma proximidade quase paternalista com Peter - que é quem acaba conseguindo decifrar o enigma por trás da experiência do cientista, com a ajuda do trabalho do pai, que encontrou por acaso na casa dos tios. Em alguns momentos, inclusive, o personagem se torna muito parecido ao Otto Octavius de Alfred Molina, apresentado em Homem Aranha 2. Quando transformado no Lagarto, Connors mantém sua inteligência e acaba sendo uma ameaça mental, além de física, para o Homem Aranha. O visual do personagem é muito bom, mas é um pouco decepcionante não contar com o focinho de réptil que lhe é característico nos quadrinhos (os produtores optaram por manter o Lagarto com uma aparência mais humanóide).

Outros acertos visuais do filme são claramente vistos nas cenas de ação. Peter utiliza sua teia como arma na maioria das cenas de luta - algo que na trilogia anterior foi muito pouco usado - e as acrobacias do personagem pelas ruas e de Nova York ganham mais vida e realismo. O aranha desliza por becos e arranha céus de forma muito semelhante ao que a Disney fez com Tarzan na animação de 1998, e que claramente deve ter sido usada pelos animadores como inspiração. Outro ponto favorável foi a inclusão de movimentos de parkour para os deslocamentos do personagem e as sequencias com a visão de Peter em primeira pessoa, que no 3D e na tela gigante do IMAX fazem, literalmente, que o público entre dentro da tela. A sequencia final é um deleite para os olhos, e a magnitude e excelência com que foram utilizados os efeitos visuais fazem o espetáculo surgir - e justificar-se o novo título da aventura. 

Mas O espetacular Homem Aranha não foi perfeito, e seus erros são exatamente vinculados à ideia da nova história que o estúdio quer contar. As motivações de Peter para iniciar sua jornada heroica e o passado misterioso de seus pais são abandonados pelo roteiro no segundo ato do filme, para ressurgirem apenas na cena pós-créditos como um gancho desnecessário para uma continuação que todos sabem que vai ocorrer. O roteiro acabou tornando-se novelístico em demasia, deixando muitas pontas soltas e apelando para coincidências - fato que já havia prejudicado Homem Aranha 3. Para cativar o publico feminino, foram inseridas cenas românticas à exaustão, que só não cansam pois os olhos azuis belíssimos de Emma Stone estão sempre iluminando a tela. A falta de um tema musical forte para o personagem também é sentida, e embora a trilha sonora de James Horner seja excelente e tenha grandes momentos, fazem muita falta os acordes perfeitos de Danny Elfman que embalaram a ação nos filmes anteriores. 

O espetacular Homem Aranha não é aquele filme perfeito que todos os fãs esperavam, mas está longe de ser o fracasso que muita gente afobada está pintando por aí. Tem méritos suficientes para agradar o grande público, o que já está sendo sentido nas bilheterias e pela recepção nos créditos (na minha segunda sessão, muitas pessoas se levantaram e aplaudiram o filme). Mas pode melhorar. Vamos torcer para que as muitas referências que foram mostradas e não trabalhadas rendam uma segunda parte que não seja espetacular apenas no visual, mas também na narrativa. Aí, sim, o Espetacular vai poder ficar em letras maiúsculas também no título.

Cotação: ***

Comentários

  1. Parabéns pelo blog! Gostei de várias de suas críticas e de como foram abordadas. Acompanharei mais de perto a partir de agora.

    Abraço

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