Crítica: Deus da Carnificina

Roman Polanski não é um cineasta que gosta de trabalhos fáceis. Sua filmografia é tão polêmica quanto sua persona, amparada por clássicos como O bebê de Rosemary e seu melhor e imbatível filme, Chinatown. Mas nos últimos anos, o diretor não tem conseguido demonstrar sua genialidade, entregando produções burocráticas que visivelmente poderiam render mais.

Deus da Carnificina sofre deste mal. Apesar de contar com um elenco de gênios na arte da representação e um texto com diálogos sensacionais, acaba se tornando refém da estrutura da obra a que se origina (uma famosa peça teatral) e não decola.


Deus da carnificina acompanha dois casais que se reúnem para discutir um ato de violência que envolveu seus filhos. O que começa como uma civilizada conversa intermediada entre as duas mães - a neurótica Penelope (Jodie Foster) e a rígida Nancy (Kate Winslet) - acaba por se tornar um duelo verbal pelas interferências atrapalhadas de seus maridos, Michael (John C. Reilly) e Alan (Cristoph Waltz). Se no teatro as situações expostas ao quarteto são aceitas de bom grado pela platéia, no cinema tudo parece forçado demais.

Esta `preguiça` de adequar o texto à linguagem cinematográfica acaba sendo um erro infeliz de Polanski, que   foi responsável pelo script ao lado da autora da peça, Yasmina Reza. Não se discute aqui a qualidade do texto, mas sim os problemas claros de ambientação. Recentes trabalhos cinematográficos que foram adaptação de peças de sucesso - como Frost/Nixon e Dúvida, apenas para citar alguns - podem por si só demonstrar que, sim, existe uma clara diferença da forma de se contar uma história no cinema de como ela é apresentada nos palcos. 

A estrutura de Deus da carnificina é simples, como se propõe a ação que é trabalhada no filme. Por este motivo, a importância do elenco fica ainda mais clara. E com um mestre na arte da direção de atores atrás das câmeras, não é de se estranhar as performances arrebatadoras de todos em cena. Não é fácil destacar alguém, pois todos os personagens tem seu momento, mas é sempre bom ver Jodie Foster na frente das câmeras - a atriz tem se dedicado a projetos como diretora nos últimos anos -, e seus embates com Cristoph Waltz rendem os melhores momentos do filme. A presença sempre forte de Kate Winslet é um atrativo a mais pela beleza estonteante da atriz. 

O mais interessante do texto de Yasmina Reza é a forma como desfaz brilhantemente a ideia do que seria família perfeita, e a origem francesa do texto reflete que esta premissa está absolutamente em alta nos trabalhos literários ao redor do globo - basta pensarmos em filmes como Linha de passe, Beleza Americana, A separação e Ninguém pode saber, todos de nacionalidades distintas. À medida que a ação discorre, verdades incômodas são expostas de maneira nua e crua, a ponto de que no final, não existam mocinhos ou vilões, apenas seres imperfeitos. 

Deus da carnificina deve ser uma experiência por demais interessante no teatro. Mesmo com problemas, ainda é um filme muito acima da média. Mas quem for exigente vai notar logo que poderia ser muito, muito melhor.

Cotação: **

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