Crítica: O Artista
Ao longo de mais de um século de história, o cinema passou por inúmeras transformações. Da simplicidade das obras dos irmãos Lumière aos arrojados truques de câmera e o ilusionismo de Georges Méliès; da revolução das técnicas de montagem de David Wark Griffit à montagem intelectual de Sergei Einsenstein; e, por que não, da simplicidade dos efeitos em stop-motion de King Kong até o apogeu da computação gráfica de Jurassic Park. Mas nenhuma destas mudanças foi tão impactante - e tão traumática! - quanto a passagem do cinema mudo para o cinema sonoro.
Resgatar esta época de ouro da história da sétima arte não é para qualquer um. Numa época em que os filmes estão cada vez mais arrojados visualmente e despertam as mais diferenciadas reações sensoriais, pensar em um filme mudo e em preto e branco é no mínimo coisa de louco. Mas indo contra todas estas convenções, Michel Hazanavicius rodou O Artista, e criou uma obra prima que faz uma comovente e apaixonada homenagem ao cinema.
O filme conta a história de George Valentin, um famoso ator de filmes mudos que passa por uma terrível crise na carreira com a chegada dos filmes sonoros. Sem adaptar-se a nova realidade - reflexo de histórias reais que ocorreram na mesma época em Hollywood - ele se entrega a depressão, e precisa ser salvo por Peppy Miller, uma atriz em ascensão que, seguindo as dicas de Valentin, tornou-se famosa e rica. A história de amor entre os dois personagens é construída de forma singela, aproveitando-se ao máximo do grande talento dos atores Jean Dujardin e Bérénice Bejo.
A indicação dos dois atores ao Oscar é justificável. O Artista é um filme mudo feito exatamente no formato clássico, ou seja, a presença do ator e seu mise en scène é vital para o entendimento da história, uma vez que são introduzidas poucas legendas no filme para clarificar as situações para os espectadores. Dujardin já impressiona nas sequencias iniciais, em que há uma perfeita reconstituição história de um teatro de Vaudeville onde está sendo feita a apresentação ao vivo de um de seus últimos filmes. O primeiro encontro do personagem com a frágil e doce Peppy Miller é deliciosamente bem orquestrado pelo diretor. Hazanavicius ainda tem outro às na manga: o cachorro Uggie, um Jack Russel Terrier que rouba todas as cenas em que aparece, e que saiu de Cannes em 2011 com a Palm Dog Award, criada especialmente para ele por sua brilhante interpretação.
Apesar de um roteiro simples, O Artista tem como principal atrativo a nostalgia que representa pelo período histórico retratado. Michel Hazanavicius não poupou esforços para construir seu filme de maneira extramente fiel, e a homenagem feita à Hollywood da década de 20 rende algumas lágrimas para aqueles cinéfilos mais apaixonados. Para algumas gerações, um filme mudo é quase uma novidade, já que mesmo as obras de Charles Chaplin, antes exibidas em aulas de história, já não fazem parte do currículo da maioria escolas. Mesmo que cause estranheza à princípio, é inegável que o diretor soube conduzir o tema com recursos espertos de linguagem (o devaneio de George Valentin quando começa a escutar os 'sons' das coisas mais simples à sua volta é simplesmente genial!). A trilha sonora, que é um destaque à parte, merece menções honrosas por resgatar a essência do seu papel em qualquer obra cinematográfica: ser mais um personagem que contribuí para a ação e a complementa.
Não é à toa que o filme chega como grande favorito ao Oscar 2012: O Artista é um trabalho feito sob medida para o Oscar, pois resgata tudo aquilo que os velhinhos da academia adoram: referências explícitas a filmes e personalidades clássicas de Hollywood, figurinos impecáveis, reconstituição de época perfeita e uma trama simples e emocional.
Vença o preconceito inicial e dê uma passada no cinema, vai valer a pena. O Artista é um filme para se guardar na memória com carinho, afinal de contas, remete a um tempo que não volta mais, e que está sendo apagado da memória comum. Viver o presente é bom, mas entender o passado é vital para construir um futuro melhor. Seja você um cineasta ou não.
Cotação: ****
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