Crítica: A invenção de Hugo Cabret

Com quase 50 anos de carreira, Martin Scorsese, um dos maiores diretores americanos vivos, ainda tem pique para nos surpreender. Com uma filmografia invejável que lista alguns dos melhores filmes da história do cinema - Taxi Driver, Touro Indomável e Os bons companheiros, apenas para citar alguns - este mestre apaixonado pela sua arte ainda não havia se arriscado em uma produção voltada para a família. Até que um livro lançado em 2007 o fez mudar de ideia.

O escritor Brian Selznick impressionou a crítica literária com seu livro sobre um órfão que morava por trás das paredes de uma estação de trem de Paris. O romance, de temática infanto-juvenil, tinha uma rica e emocionante história que homenageava os precursores do cinema e a própria linguagem cinematográfica. Martin Scorsese apaixonou-se pelo livro, e rapidamente providenciou a compra dos direitos sobre a obra para poder levá-la ao cinema. Assim começava a nascer A invenção de Hugo Cabret.


Bastam os primeiros takes para que o público perceba que está diante de um filme especial. A invenção de Hugo Cabret começa com um belíssimo plano sequência que leva o público do céu de uma Paris deslumbrante da década de 30 até um relógio no alto de uma estação de trem, de onde o protagonista mirim observa a movimentação e a rotina daquele ambiente. De cara, também podemos notar a beleza do 3D, utilizado com maestria pelo diretor, e efeitos gráficos notáveis que transformam magicamente as ruas e avenidas da Cidade Luz nas engrenagens de um gigantesco relógio.

É louvável a visão de linguagem que Scorsese demonstrou em A invenção de Hugo Cabret. Não por menos, muitos críticos já consideram o filme seu mais impressionante trabalho. O diretor desenvolve a trama de maneira envolvente, conseguindo entreter o público jovem com belas imagens e personagens cativantes, mas também atende as expectativas de seus fãs maduros com as referências implícitas a grandes sucessos literários e ao cinema clássico, com reconstituições perfeitas das primeiras apresentações do Cinemascópio. Conhecedor ou leigo da história do cinema, é impossível não se emocionar com a belíssima homenagem feita à sétima arte.

O coração de A invenção de Hugo Cabret está no personagem de Ben Kingsley, Georges Méliès. O mágico ilusionista é considerado o pai dos 'efeitos especiais', tendo escrito, produzido e dirigido mais de 500 filmes que utilizavam inventivos efeitos fotográficos para criar mundos fantásticos, além de ter sido o primeiro cineasta a usar desenhos de produção e storyboards para projetar suas cenas. Méliès foi proprietário do primeiro estúdio cinematográfico da Europa, que é revivido com detalhes por Martin Scorsese. Na história do filme, o ex-cineasta aposenta-se depois de cair no esquecimento, quando seus filmes que retratavam mundos de sonho passam a ser ignorados por um povo marcado pelos horrores da primeira guerra. Dono de uma pequena loja de brinquedos na estação de trem onde morava Hugo, ele tem a chance de relembrar seu glorioso passado ao ajudar o órfão e sua sobrinha a descobrirem o segredo por trás de um autômato defeituoso que havia sido recolhido pelo falecido pai de Hugo em um museu.

Não fosse a comovente história fictícia, A invenção de Hugo Cabret seria uma bela biografia de um gênio pouco conhecido pelo público em geral. Ben Kingsley dá ao personagem a dimensão humana necessária para criar o canal de identificação com o público, e sua interação com os dois jovens do elenco - os excelentes Asa Butterfield e Chloë Grace Moretz - rende grandes cenas e diálogos emocionantes.

O roteiro, por sinal, é o grande forte do filme. John Logan, responsável por obras como Gladiador, O último samurai e o recente sucesso Rango, conseguiu com sucesso adaptar o livro de Brian Selznick, incluindo na história sua pureza e emotividade, desenvolvendo os interessantes personagens coadjuvantes (o melhor deles, o inspetor da estação, recebe as feições e trejeitos de Sacha Baron Cohen, o Borat) e ainda pontuá-lo com diálogos arrebatadores: a conversa de Hugo com Isabelle sobre sua verdadeira razão de existência - em que o garoto compara o funcionamento do nosso mundo ao motor de uma máquina - é de uma profundidade e relevância absurdas. Só de imaginar crianças e jovens tendo um material desta qualidade para leitura já é de se repensar sobre o papel da literatura na vida cotidiana, e mais um motivo para que se batam palmas a J.K. Rowling, que devolveu aos jovens do mundo todo o interesse pela leitura.

Assistir um filme em 3D que fala tão contundentemente sobre as origens do cinema é uma experiência extremamente impactante. Martin Scorsese sabia disso, e a escolha da forma de filmar A invenção de Hugo Cabret, nota-se, não foi gratuita. A utilização da moderna tecnologia é uma lição para os cineastas atuais que utilizam o 3D apenas como uma forma adicional de atribuir valor ao filme para arrecadar mais nas bilheterias. As sequencias que mais utilizam o recurso atribuem ao filme uma perfeição técnica das imagens em terceira dimensão só vista antes em Avatar.

Sempre muito bem amparado pelos melhores profissionais do ramo cinematográfico, Martin Scorsese dificilmente entrega uma filme que não seja perfeito do aspecto técnico. Hugo lhe dá a chance de experimentar novas tecnologias, mas sua fotografia e montagem seguem a mesma linha de seus trabalhos anteriores (o fotógrafo Robert Richardson e a montadora Thelma Schoonmaker são colaboradores frequentes do mestre). Devido ao aspecto visual arrojado, a importância do departamento de efeitos especiais e som é evidente, e os contornos épicos pediam um compositor que entendesse do assunto, o que caiu como uma luva para o maestro Howard Shore. Os cenários e figurinos são um show à parte, criando uma reconstituição verossímil da época, vital para situar o público. Não é de se impressionar, assim, as 11 indicações recebidas pelo filme ao Oscar 2012.

Numa temporada de prêmios que está sendo marcada pela nostalgia - tema de filmes como O artista, Sete dias com Marilyn e Meia noite em Paris, todos oscarizados - A invenção de Hugo Cabret é a cereja do bolo. Se sair vitorioso na noite do Oscar, será o mais belo filme a ser premiado com a estatueta em muitos anos. Os olhos marejados ao final da projeção sintetizam a sensação que passa esta bela homenagem de Marty aos seus colegas cineastas e, por que não, a si próprio. Afinal, são eles que realizam sonhos todos os dias, pelo mundo afora.

Cotação: ****

Comentários

  1. En 3D fascinante película. La actuación del niño es muy buena (ojo que hace unos años apareció en "El niño de pijama a rayas").

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