Crítica: A separação

O cinema contemporâneo do Irã seguia por um caminho semelhante, em alguns aspectos, ao cinema brasileiro. Focava-se nos dramas sociais da sociedade Persa, mas dava destaque demais a necessidade de cativar plateias estrangeiras com maneirismos de linguagem cinematográfica. Os enredos começaram a se tornar repetitivos, geralmente focando crianças que passam duras provações por conta da realidade do país (um dos mais bem sucedidos filmes desta safra é Filhos do Paraíso, dirigido por Majid Majidi). Quando não seguiam por este caminho, eram obras financiadas pelo governo para estimular a pesquisa sobre o Irã, seu entorno social, econômico e cultural. Nada muito diferente do cinema Russo da década de 20 ou mesmo do cinema alemão panfletário do regime nazista de Josef Goebbels.

Dá para entender o motivo do filme de Asghar Farhadi ter causado rebuliço por onde passou e causado tanta preocupação em algumas autoridades iranianas. A separação é um trabalho que foge completamente aos dois estereótipos típicos desta escola de cinema, e conta uma história tensa sobre uma família que é impactada de formas muito diferentes pelo regime autoritário do governo de seu país, e, por que não, pela sua própria crença religiosa.


O diretor Asghar Farhadi não se blinda com poesia nem tenta emoldurar um quadro bonitinho para a platéia: A separação é um soco no estômago do início ao fim, e é diferente dos demais filmes produzidos no país também pela sua montagem dinâmica, que não oferece o mínimo tempo para o público respirar.

Logo no começo da projeção, somos apresentados ao casal Simin e Nader, que está diante de um juiz de paz discutindo sobre sua inevitável separação. Simin deseja se mudar para um país estrangeiro, onde acredita poder dar uma vida melhor para a filha Termeh, mas não conta com o apoio do marido, que não quer deixar seu país e o pai que sofre de Alzheimer. Quando Simin resolve sair de casa, Nader procura alguém para cuidar do pai, e conhece Razieh, uma mulher pobre que precisa de dinheiro para ajudar o marido a pagar os credores que ameaçam prendê-lo. Os segredos que Razieh esconde acabarão por colocar a família da mulher contra Nader e Simin em uma batalha judicial com consequências inesperadas.

Farhadi toca em temas complexos em A separação, como a fragilidade das instituições de seu país, assim como a constante tensão entre as diversas etnias que compõem sua sociedade. A questão religiosa também é discutida com ênfase no personagem da atriz Sareh Bayat, que faz de Razieh uma mulher de personalidade dúbia, que vive entre as amarras de sua crença religiosa e a verdadeira noção do que seria certo e errado. Esta dúvida é um tema recorrente no roteiro, que também é de autoria do diretor, e está presente no desenvolvimento de praticamente todos os demais personagens.

A separação tem conseguido um êxito internacional impressionante, desde sua apresentação no festival de Cannes. Dentre os muitos prêmios já recebidos, está o Globo de Ouro de produção estrangeira, e a indicação pelo seu país ao Oscar. A Academia, além de escolher o filme como um dos cinco finalistas ao prêmio de filme estrangeiro, o indicou também ao prêmio de roteiro original, algo que ocorre com pouquíssima frequência - e que desde já atesta o favoritismo do trabalho de Asghar Farhadi.

Como admirador do cinema asiático, posso dizer que A separação traz uma boa surpresa para os cinéfilos. Esta mudança de foco do cinema iraniano é reflexo das alterações geopolíticas atuais, e mostra claramente que a sétima arte não está de olhos vendados para a realidade global. Uma pena que nem todos - cineastas ou não - façam tão bem este tipo de reflexão.

Cotação: ****

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