Crítica: Precisamos falar sobre o Kevin

Alguns temas da vida real são tão complexos que até o cinema se enche de cuidados na hora de falar sobre eles. Até pouco tempo, os massacres em escolas eram uma realidade apenas fora do nosso país, até o caso que chocou o subúrbio do Rio de Janeiro. Discutem-se evidências, motivos que levariam os executores a cometer tal atrocidade, e até mesmo o que poderia ter sido feito por aquele(a) jovem para que se evitasse a tragédia. Poucas vezes, no entanto, tentou-se entender o que se passaria na cabeça dos pais de um destes assassinos.

A diretora escocesa Lynne Ramsay resolveu entrar a fundo no tema. Precisamos falar sobre o Kevin é um drama duro sobre uma mãe e seu difícil dia a dia junto a uma criança que demonstrava desde pequena que estava destinada a se tornar um monstro.


As maiores discussões em torno do filme davam a entender que a diretora desenvolveu a trama como uma história de culpa, em que a mãe, interpretada por Tilda Swinton, se distanciava de tudo e de todos para remoer o ressentimento que sentia por ter criado um assassino. Não é bem assim. Precisamos falar sobre o Kevin trata de maneira paralela de dois eixos temporais da vida de Eva Khatchadourian, alternando o passado desde o casamento e a criação dos dois filhos e o futuro posterior ao massacre provocado por seu primogênito.

A escolha da diretora por contar a história desta maneira deixa ainda mais visível suas intenções. Eva tinha uma vida feliz, era jovem e ainda não estava pronta para ser mãe. A chegada do filho e a mudança radical de seu estilo de vida à assustam, e o quadro se agrava pela falta de apoio do marido (John C. Reilly). O menino, Kevin, começa a se mostrar uma criança diferente, fechada, que não dava sinais ou demonstrações mais simples de afeto por ela. Lynne Ramsay, aqui, começa a apontar a maior questão do filme: seria realmente culpa da mãe o desenvolvimento da mente distorcida do filho, ou uma infeliz coincidência?

Nas sequencias que estão sendo contadas no tempo presente, Eva sofre no seu íntimo pela desgraça ocorrida em sua família, e ainda tem que lidar com as agressões físicas, verbais e psicológicas na comunidade em que vive, ainda assolada pela tragédia. A diretora demonstra de maneira crua como os seres humanos podem reagir de formas tão distintas a um drama desta magnitude, seja na figura da mãe que esbofeteia Eva no meio da rua, inconformada pela perda do filho, seja pelo jovem sobrevivente, em sua cadeira de rodas, que a procura para saber se ela está bem. Este contraste atinge o espectador como uma faca afiada. É difícil assistir Precisamos falar sobre o Kevin e reagir de forma indiferente ao que está sendo mostrado na tela.

A força motriz do filme está em Tilda Swinton. A atriz britânica já havia mostrado em trabalhos anteriores como Conduta de risco e Queime depois de ler que tinha um grande talento, mas suas chances nunca haviam sido grandes no cinema pelo fato de sua beleza não seguir os padrões de Hollywood. Em sua grande chance como protagonista, desenvolve o difícil personagem com uma expressividade absurda, em uma atuação comovente e extraordinária.

Apesar de passar longe de ser um filme fácil, Precisamos falar sobre o Kevin é daquelas obras que estarão nas rodas de conversa de muita gente daqui para a frente. Uma pena que sua natureza alternativa e o tema complexo deva afastar grande parte da audiência. É o típico filme que deveria ser assistido por todos que são pais ou que ainda pretendem ser.

Cotação: ***

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