Crítica: O espião que sabia demais

Ler um romance de John le Carré não é uma tarefa simples. O escritor inglês, famoso pelos diversos best sellers mundiais na carreira, é especialista em tramas arrojadas e cheias de reviravoltas, onde os detalhes mínimos são importantes para um total entendimento dos desdobramentos da ação. Geralmente, seus suspenses são situadas durante o período da Guerra Fria, época histórica preferida do autor. Nem precisa dizer que é preciso muito cuidado na hora de pensar em adaptar um livro de le Carré para o cinema.

Mas as adaptações já ocorreram, com resultados interessantes. Nosso Fernando Meirelles foi um que aceitou o desafio, e entregou o excelente O jardineiro fiel, que deu o Oscar de atriz coadjuvante para Rachel Weisz (uma contradição, já que o autor é conhecido pelos personagens masculinos extremamente fortes). Outros livros tiveram sua chance na tela grande, como O alfaiate do Panamá, no entanto sem tanto sucesso. É a vez de O espião que sabia demais (no original, Tinker, Taylor, Soldier, Spy) chegar aos cinemas depois de ter sido lançado como série na TV inglesa com relativo sucesso.


O próprio autor não estava muito esperançoso de que seu livro se transformasse em um filme de sucesso. Com uma trama difícil e complexa, O espião que sabia demais se adaptava muito bem ao formato de série televisiva, mas era um grande desafio para os curtos 120, 140 minutos que geralmente são o tempo de um longa metragem sério no cinema. Mas o Sueco Tomas Alfredson - diretor do excelente Deixa ela entrar - provou que era possível, fazendo do filme um exemplar raro do gênero de espionagem.

Para curtir O espião que sabia demais, você primeiro precisa esquecer das estripulias de outros agentes secretos do cinema, como James Bond e Ethan Hunt: o ritmo do filme é totalmente diferente, focado na trama de espionagem realista, e não na ação desenfreada com efeitos especiais de ponta. O filme conta como o agente George Smiley (Gary Oldman) consegue descobrir a identidade de um agente duplo infiltrado nas entranhas do MI6, o serviço de inteligência Britânico, após uma ação desastrada ocorrida em território Húngaro, durante o período mais tenso da disputa ideológica entre os EUA e a União Soviética.

Alfredson já havia mostrado em Deixa ela entrar que era um excelente diretor de atores, e isto fica claro nessa nova empreitada. Contando com um elenco de peso, que além de Gary Oldman conta com Mark Strong, John Hurt, Toby Jones e Colin Firth, o diretor tem a proeza de conseguir atuações inspiradas até mesmo dos atores menos conhecidos, como o britânico Benedict Cumberbatch. Mas o show é do experiente Oldman, que tem uma atuação de nuances, tecnicamente perfeita. Talvez pelo fato de não se apoiar em trejeitos ou tipagem, sua performance tenha novamente passado despercebida pela maioria dos prêmios da crítica. Mas é sem dúvida um dos trabalhos mais consistentes de 2011.

Belissimamente bem construído tecnicamente, O espião que sabia demais segue a cartilha elegante de seu diretor, apoiando-se em uma fotografia competente (Budapeste é sempre um colírio para os olhos para as tomadas aéreas e planos sequência) e um belíssimo trabalho de reconstrução de época, tanto nos figurinos quanto nos cenários e locações. Além disso, o maestro Alberto Iglesias entrega um dos seus melhores trabalhos na banda sonora, criando uma trilha que flui muitíssimo bem com a história que está sendo contada pelo roteiro enxuto e bem estruturado.

O espião que sabia demais é uma chance rara de se ver a obra de um grande autor da literatura mundial sendo retratada com fidelidade e respeito. Que o filme se torne um exemplo para os produtores e diretores que não acreditam que a transposição de um romance para o cinema não funcione sem maneirismos ou soluções fáceis. Só o que se precisa é de talento.

Cotação: ****

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