Crítica: 2 Coelhos

Fazer cinema no Brasil não é uma coisa fácil. A burocracia é imensa, e os patrocinadores só querem investir nas fórmulas fáceis, aquelas comédias idiotas cheias de astros globais e zero de inovação e criatividade. Para surgir um Tropa de elite entre dez Agamenon, é preciso se passar por um calvário desde a pré-produção. Não é a falta de bons profissionais - diretores e roteiristas - que limita nosso cinema, mas sim a falta de coragem.

Mas o estreante Afonso Poyart está aí para mostrar que podemos ter esperança no futuro cinematográfico brasileiro. Ao custo de R$ 4 milhões (mais de 60% destes bancados do próprio bolso), o cineasta nos entrega 2 Coelhos, um dos melhores filmes brazucas em muito, muito tempo.


Quando 2 Coelhos começa, você já percebe que não está assistindo a um filme comum. Mesmo contando uma história relativamente simples - um plano audacioso para roubar R$ 2 milhões de um grupo de bandidos que inclui um deputado e uma funcionária sem escrupulos do Ministério Público -, o filme insere linguagens que não estamos acostumados a ver em produtos nacionais, como grafismos, efeitos mirabolantes de montagem, jogos rápidos de câmera e diálogos ácidos e bem humorados que muito lembram o estilo de Quentin Tarantino.

Referências pop, aliás, não faltam a 2 Coelhos. Além do já citado Tarantino, fica fácil de identificar em algumas sequências referências claras a cineastas como Zack Snyder, Guy Richie e Park Chan-wook. O que é mais feliz no resultado final é que esta salada pop não é gratuita, e está amarradinha no desenrolar da trama, incluíndo os momentos mais non-sense (como os sonhos do personagem de Alessandra Negrini, que sofre de síndrome do pânico e, para se proteger, se isola em um mundinho paralelo cheio de criaturas estranhas - alguém notou semelhança com o recente Sucker Punch?).


Mas não só apenas de efeitos especiais e cultura pop que está servido este filme impressionante. Afonso Poyart não se esqueceu de dois ítens cruciais: roteiro e atuações. O script é ágil, cheio de reviravoltas, e aproveita para fazer altas críticas à sociedade e a justiça brasileiras. Se tem uma coisa que está na moda depois dos dois Tropa de elite, é expor as mazelas da terra brasilis que estão muito além da pobreza do nordeste que cineastas como os Barreto e Walter Salles adoram mostrar. O elenco é encabeçado por Fernando Alves Pinto, que faz do jovem Edgar um personagem complexo, daqueles que você não sabe se torce a favor ou contra. A mesma coisa pode-se dizer de Julia, interpretada por Alessandra Negrini, a mais complexa figura do longa, e a que tem a "apresentação" mais interessante. Os coadjuvantes também são excelentes, com destaque para Thaíde, que já havia mostrado no programa A liga que tinha um talento acima da média.


Para retratar esta trama tipicamente urbana, São Paulo cai como uma luva. A maior metrópole brasileira surge na tela mostrando sua exuberância e, com mais intensidade, seu lado intimista e decadente. Para intensificar esta sensação no público, o diretor realiza cenas com alto contraste de cores e outras com pouco constraste, privilegiando certas tonalidades e as fazendo sobressair em relação às demais. Este uso inteligente da fotografia aliado aos recursos arrojados de montagem já elevam o filme a outro patamar de qualidade, pouco visto na produção feita por aqui.


2 Coelhos é a grande surpresa deste 2012 que acaba de começar. Para o cinema brasileiro, no entanto, é um começo espetacular. Fica minha torcida para que o filme se torne um grande sucesso de público, para que o investimento e a audácia de seu diretor sejam recompensados como ele merece. Na hora de escolher seu programa de fim de semana, deixe de lado os cassetas da vida e faça um favor ao cinema nacional e para você mesmo: privilegie a qualidade. Agora, está nas suas mãos.


Cotação: ****


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