Crítica: A Pele que Habito

Fica complicado de acompanhar a carreira de diretores como Pedro Almodóvar. Deixe-me explicar o ponto de vista que está gerando esta frase. Trata-se de um dos maiores diretores do cinema mundial, um artista que tem uma visão única e autoral de linguagem cinematográfica, e que geralmente apresenta trabalhos carregados de humanismo e metalinguagem. Pois é: não gera uma enorme expectativa cada nova produção de um gênio deste calibre? A problemática - e a explicação da frase - estão aí.

Com excesso de expectativa ou não, um filme de Almodóvar é sempre um filme de Almodóvar, logo, sempre vale a pena. Mesmo não sendo genial como Tudo sobre minha mãe; hilário como Mulheres à beira de um ataque de nervos; ou sensível e deliciosamente provocante como Fale com ela. A pele que habito é marcante pois, apesar de não ser um dos trabalhos mais vigorosos do diretor, flerta com um gênero que ele ainda não havia brincado: o terror psicológico.


A pele que habito é um Frankenstein moderno, bem ao estilo de Almodóvar. O diretor adapta aqui a obra do escritor francês Thierry Jonquet, mais conhecido em seu país pelo trabalho na série Boulevart du palais. Acompanhamos a jornada de Robert, um famoso cirurgião e cientista que trabalha em uma invenção extraordinária: uma pele humana extremamente resistente. Para vencer os fantasmas de uma tragédia pessoal - a morte da esposa em um terrível acidente de carro - ele enlouquece na tentativa de trazer a amada de volta à vida, realizando experiências com cobaias humanas, tendo na enigmática Vera a personificação de sua paixão e obsessão.

Almodóvar sempre consegue fazer seus atores atingirem performances extraordinárias, e por isso é tão bom ver o reencontro do mestre com Antonio Bandeiras. O ator espanhol vive o protagonista com um vigor impressionante, que nos faz pensar o que acontece aos grandes atores quando atravessam o oceano para atuações inexpressivas em Hollywood. O ar de casa faz muito bem, ao visto. A pele que habito também traz Marisa Paredes e Elena Anaya de volta ao mundo louco de Almodóvar. A primeira está nitidamente mais envelhecida, mas ainda extremamente competente. E a segunda tem chance de brilhar em um personagem mais importante que a Ángela de Fale com ela e faz de Vera Cruz uma mulher misteriosa e enigmática, mesmo depois da retumbante surpresa do roteiro.

A montagem foi cuidadosamente acertada pelo diretor para chocar com as revelações da trama, e toda a atmosfera presente nos sucessos de Almodóvar esta lá. Os contornos da trama revelam mais uma vez que o diretor flerta com seus próprios anseios e desejos, algo que somente os fãs de sua filmografia terão a sensibilidade de perceber. E a trilha sonora, sempre um trunfo à parte, está novamente no lugar certo a todo momento, colaborando para deixar a narrativa ainda mais envolvente, seja nos momentos mais leves ou nos mais soturnos da trama.

Apesar de todos os prós do filme, a história não é desenvolvida de maneira concisa até o final, que acaba sendo um pouco anti-climax frente à originalidade da trama como um todo. Mesmo com pequenos erros, A pele que habito está muito acima de outros filmes do cineasta, como Carne Trêmula e Má Educação, que tinham problemas de narrativa mais graves.

Em um ano em que a safra de filmes de grandes diretores foi farta em sucessos (Woody Allen, Terrence Malick e Lars Von Trier que o digam), A pele que habito pode até não ter um papel de extremo destaque, mas atesta uma verdade incontestável: de que a regularidade está do lado dos cineastas alternativos. Basta olhar de perto a filmografia de todos eles. Errar é humano, mas eles são mais do que isso: são gênios.

Cotação: ***

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