Crítica: O Palhaço
Não é por acaso que atores se tornam cineastas. A vivência e a entrega a um personagem algumas vezes é tão intensa, que estes profissionais se vêem como pessoas diferentes, seja em gestos, pequenos trejeitos, ou até mesmo na forma de falar. Talvez essa captura da essência de linguagem e personalidade de outro seja fundamental para um extrapolo de sentimentos e emoções muitas vezes bastante distintas, que transpõem a barreira individual e elevam exponencialmente sua visão de mundo, favorecendo a expressão de idéias, a manipulação de imagens e a construção de tipos. Atores são capazes de se tornar diretores fantásticos por este motivo. Selton Mello é um deles.
A incursão de Selton por trás das câmeras é um tanto recente: em 2008, ele dirigiu seu primeiro filme, o drama Feliz Natal. O filme fez um relativo sucesso e abriu as portas do ator para a nova carreira. Com O Palhaço, ele mostra que a maturidade chegou depressa, apresentando um filme poético, intimista e emocionante.
O palhaço conta a história de Benjamim, um artista de circo itinerante que está em conflito com sua identidade e seu estilo de vida. Líder de uma equipe de artistas mambembes, ele começa a duvidar de seu próprio talento para fazer as pessoas rirem. Sua jornada em busca de si mesmo o levará para longe dos amigos do circo, onde ele descobre, após realizar um pequeno sonho, onde é realmente o seu lugar. A jornada do artista mambembe, figura representativa do folclore de interior e parte integrante da cultura popular, não poderia ter sido retratada de forma mais feliz.
A história é simples, mas é a forma como é contada que faz toda a diferença. A narrativa gerada pelo roteiro também de autoria de Selton Mello desenvolve os personagens de maneira primorosa, dotando cada um deles de uma personalidade ímpar. Vividos por profissionais de destaque no teatro brasileiro, como os membros do Grupo Galpão, de Minas Gerais, além de monstros sagrados da dramaturgia nacional, como Paulo José, o elenco de O palhaço é a cereja do bolo, e ainda é agraciado por participações para lá de especiais, todas retratando tipos que são reflexo perfeito desta fatia humilde e corajosa do povo brasileiro.
Para bom entendedor, poucas imagens bastam: Selton Mello criou um drama humanista que emociona por nos deixar a mensagem de que é possível ser feliz e proporcionar a felicidade ao outro através de uma coisa tão simples como um sorriso. O palhaço não foi feito para fazer você rir, e os poucos sorrisos que aparecerem serão seguidos de uma sensação que é mistura de estranheza e desconforto. Não é fácil se dar conta de quanto ainda existe para ser feito pela maioria da população deste gigante que é nosso país.
Filmado na sua maior parte em locação, O Palhaço apresenta a desigualdade da região sudeste sem fazer disso seu mote principal. O empobrecido interior de Minas Gerais é o local perfeito para retratar esta história de gente comum, que vive com pouco, mas tem uma paixão pela vida muito mais forte. Mesmo em situação de pobreza, eles fazem do riso sua válvula de escape para suportar sua vida de poucas posses, mas de muita garra e determinação. A leveza com que é desenvolvida a história disfarça este sentimento melancólico que o filme desperta, embora não esconda sua natureza triste. A verdade é dolorosa, ainda mais quando fica nítida aos nossos olhos.
Fazer rir é um talento de muitos. Emocionar é coisa pra poucos! Valeu, Selton Mello. E que sua carreira por trás das câmeras continue indo de vento em popa, para a sorte daqueles que amam o cinema e as verdadeiras histórias reais.
Cotação: ***
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