Crítica: Potiche - esposa troféu

Comédia é um estilo complicado de cinema. O motivo, obviamente, é da ganância dos produtores que preferem seguir fórmulas fáceis que são garantia de lucro, já que geralmente estes filmes são mais populares. Basta observarmos o que a Globo filmes faz no Brasil, lançando filmes dispensáveis como Se eu fosse você e Qualquer gato vira lata, ou Hollywood e suas franquias idiotas de filmes paródia.

O mais interessante de acompanhar o cinema produzido em outras partes do mundo é fazer um paralelo de como determinado autor resolve desenvolver um tipo específico de história. Veja o francês François Ozon, por exemplo. Seu cinema não segue uma vertente específica - vide filmes como O amor em cinco tempos, 8 mulheres ou o mais recente O refúgio. Embora com frequência ele retorne ao gênero de comédia e realize pequenas obras-primas, sua produção é diversificada e foge do lugar comum.

Para quem gosta de juntar diversão e qualidade na mesma mistura, Potiche - esposa troféu é o programa mais do que adequado.


Diferente de alguns de seus colegas cineastas mais politizados, Françoise Ozon faz uma linha mais branda, utilizando mensagens sociais e políticas mais como pano de fundo, sem se aprofundar demais na problemática e deixar o clima mais pesado. A época escolhida para contextualizar seu filme - que é baseado em um famoso texto de teatro de Boulevart - é a da França pré-Mitterand, ainda governada pelo direitista Giscard d'Estaing. O país vivia um período conturbado de revoluções sindicais e estava sendo assombrado pelo crescimento dos movimentos socialistas na Europa, que ascendiam desde as revoluções que ocorreram em todo o globo no ano de 1968. Não espere didatismo na forma de desenvolver a história frente a este conturbado momento histórico: ele é apenas uma questão complementar, e cabe ao próprio expectador pensar e fazer suas próprias reflexões.

Em Potiche, o objetivo máximo do diretor é trabalhar a questão dos contrastes: uma rica propriedade burguesa em frente de uma planta industrial; um marido machista e uma esposa submissa; um filho comunista e uma filha de posições abertamente liberalistas. Françoise Ozon maneja com técnica e apuro cinematográfico conflitos sobre a luta de classes, de sexos e de gerações, de forma leve e divertida.

De cunho feminista, a obra conta a história de Suzanne Pujol, esposa dedicada e que vive à sombra do marido, que comanda com braço de ferro o patrimônio que ela herdou do pai, uma fábrica de guarda-chuvas. Quando pressões sindicais e uma ameaça de greve afastam seu marido dos negócios por ordens médicas, Suzanne se vê obrigada a assumir o legado da família, alterando completamente sua vida pessoal, o relacionamento com os filhos e as lembranças de um antigo amor.

A escolha da protagonista não poderia ser mais feliz. Diva absoluta do cinema Francês, Catherine Deneuve desfila todo o seu talento realizando um trabalho à altura de seu histórico brilhante na carreira. É de impressionar a beleza da atriz, que já se aproxima dos setenta anos de idade, e está fazendo inveja à muitas mulheres mais jovens. E a vivacidade com que representa Suzanne é de fazer pensar: será mesmo que a idade é um impeditivo para uma atriz ou ator conseguir bons papéis, ou o problema está na indústria, que privilegia histórias com ídolos jovens ou astros que estão na crista da onda? Hollywood mostra estar mais entregue a este tipo de pensamento do que outras escolas de cinema.

O mais interessante ao assistir ao filme é embarcar nas idéias propostas pelo bem estruturado script, quanto da situação que a França se encontrava à época e o que vemos no país hoje em dia. O governo Giscard d'Estaing havia rompido com os paradigmas de seus antecessores, De Gaulle e Pompidou, assim como Sarkosy tem feito com Chirac. Obviamente não se compara a uma transição como a de 1981, quando o governo de esquerda de Mitterand assumiu, no entanto se avaliarmos a atual onda de desemprego e as revoluções populares (a crise Grega te diz alguma coisa?), só houve uma alteração do escopo da crise, mas os dilemas são semelhantes. Não estamos, novamente, constatando um esgotamento da confiança no modelo capitalista em si?

Viagens à parte, Potiche - esposa troféu vai te divertir mesmo se você não quiser pensar. Não encare a produção com cara feia por ser francesa e estar sendo exibida no circuito alternativo. É uma comédia de costumes, ácida em alguns momentos, mas no geral leve e despretensiosa. A pretensão, se me permite dizer, deve vir de você mesmo. Caso esteja afim de um cardápio mais simples, procure piratas ou robôs gigantes. Cinema, pra ser divertido, não precisa sempre ser raso.

Cotação: ***

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