Critica: Reencontrando a felicidade
O cinema e o teatro sempre tiveram um namoro interessante. No início, quando se assistia os filmes nas Vaudevilles, ainda mudos, e era necessário um explicador para situar o espectador do que estava acontecendo na projeção, ainda se utilizava a máxima da "visão do príncipe", ou seja, tomadas praticamente frontais em que quase não havia utilização da profundidade de campo visual. O cinema era um teatro filmado, e não tinha uma linguagem própria, que lhe conferisse personalidade distinta.
Obviamente, como qualquer outra forma de arte, o cinema evoluiu. Hoje temos uma separação tênue entre o que se diz teatro e o cinema. As modernas técnicas de montagem, as decupagens ousadas de planos e os enquadramentos cada vez mais elaborados transformaram a forma de se assistir um filme. Por isso mesmo, quando aparece um filme baseado em uma peça teatral, qualquer cinéfilo que se preze identifica a origem do texto logo nos primeiros frames.
Podemos dizer que o cinema hoje busca constantemente inspiração nos palcos espalhados pelo mundo para idéias de longas metragens. Adaptações de peças de sucesso estão em alta - basta lembrarmos de filmes como Closer - perto demais, Dúvida ou Frost Nixon, para citar os mais recentes. A este grupo junta-se este Reencontrando a felicidade.
Para começar, mais uma vez a distribuidora brasileira errou a mão no título do filme. Não espere encontrar uma história de superação com um bonito final feliz; Reencontrando a felicidade é um filme sobre a angústia de um casal que enfrenta o terrível pesar da perda do único filho em um trágico acidente.
Protagonizado por Nicole Kidman e Aaron Eckhart, o drama desenvolve a história destes personagens sem cair no lugar comum, graças ao roteiro eficiente de David Lindsay-Abaire, também autor da peça homônima. Com um curriculum que se destaca pelas obras de fantasia, é de espantar a maturidade do texto do autor americano, que entrega diálogos duros que ganham ainda mais impacto graças a atuação visceral dos astros.
Indicada ao Oscar, Nicole Kidman retorna ao auge de sua carreira como Becca, uma mãe com o coração despedaçado pela perda que não consegue aceitar que seu sofrimento seja parte do destino reservado a ela por Deus. Aaron Eckhart é Howie, o marido fiel que tenta conduzir a vida do casal da forma mais normal possível, mesmo com a resistência da esposa a esquecer o sofrimento. Os personagens, apesar da premissa simples do roteiro, são bem desenvolvidos, e seus embates geram cenas arrebatadoras. Como no teatro, a força do texto é parte do espetáculo.
Longe de optar por situações simples, o diretor John Cameron Mitchell explora o texto e os personagens, criando uma obra melancólica que não caminha para um desfecho usual, como a maioria dos melodramas. O que se vê é um filme sobre a sobrevivência de um casamento que atingiu seu limiar, e que não tem esperanças de retornar ao que era. O diretor joga esta verdade nua e crua sem piedade para a platéia, e deve atingir em cheio os corações mais frágeis.
Mesmo não sendo uma obra memorável, Reencontrando a felicidade merece ser visto, pois é o tipo de cinema que está quase em extinção nestes tempos em que acreditar que todos os males do mundo tem uma solução simples é a coisa mais comum, e que todos acabam vivendo felizes para sempre. A vida real é bem diferente dos contos de fadas.
Cotação: ***
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