Crítica: Rio

Nem todo mundo tem a sorte de congregar trabalho com prazer. Carlos Saldanha é um desses caras que podem se gabar de ganhar dinheiro fazendo o que gostam. Não por acaso, o resultado geralmente é muito satisfatório quando estas variáveis formam uma equação. E o Blu Sky Studios é a prova viva de que o talento e paixão constroem coisas extraordinárias.

Entrar de sola no ramo das animações para o cinema não é coisa para qualquer um. Para bater de frente com gigantes como a Walt Disney Pictures, a Pixar Animation e a emergente Dreamworks Animation não se pode ter apenas coragem; qualidade e boas histórias para contar são itens quase vitais. Mas na animação, parece que um personagem carismático já basta.

Scrat, o esquilo obcecado por nozes, levou a cinessérie A Era do Gelo para um histórico e impressionante primeiro lugar nas bilheterias mundiais para um filme animado, pelo menos até os brinquedos de Toy Story ganharem sua terceira aventura nos cinemas. Isso nem de longe é pouca coisa. A força dos personagens é um grande diferencial para um estilo cinematográfico que muitas vezes sobrevive por saborosos exageros. Rio segue esta fórmula acrescentando uma dose de amor carioca à mistura.


Falar que Rio é uma prova do amor de Carlos Saldanha à sua cidade natal e até mesmo ao Brasil não é de forma nenhuma cair num clichê. Desde sua primeira imagem ao animado e colorido final, o filme joga para a platéia um Rio de Janeiro deslumbrante, cuidadosamente detalhado e tão real que fica difícil não se emocionar se você é apaixonado pela cidade e por sua vasta e impressionante natureza.

A história do filme é simples: uma Arara azul capturada ainda filhote por contrabandistas de aves raras é criada com mimos de bebê em uma cidade gélida em Minessota, nos Estados Unidos. Quando um ornitólogo aparece dizendo que a ave, Blu, é o último macho de sua espécie, ele e sua dona acabam fazendo uma inesperada viagem para o Brasil, rumo ao Rio de Janeiro, onde a última fêmea é mantida em cativeiro com a esperança de salvar a espécie da extinção. Raptados por bandidos estúpidos que tem uma Cracatua rancorosa como assecla, eles acabam perdidos na cidade em pleno carnaval e contam com a ajuda de outros amigos voadores e de um cachorro babão para encontrarem o caminho de volta.

Carlos Saldanha brinca de maneira divertida com todos os estereótipos típicos de produções gringas sobre o Brasil, em que tudo termina em carnaval, praia e futebol. O ritmo carioca presente de forma brilhante na trilha sonora - que é um verdadeiro manjar para os ouvidos de qualquer fanático por samba - domina a ação do início ao fim, impõe um ritmo interessante ao desenvolvimento da história e tem seu ápice nas cenas que retratam o coração do carnaval carioca: a Marquês de Sapucaí digital de Carlos Saldanha é um verdadeiro delírio visual.

A riqueza de detalhes da produção salta aos olhos, e principalmente os cariocas terão um gostinho a mais ao acompanhar o filme. A praia de Copacabana, Lagoa Rodrigo de Freitas, Baía de Guanabara, e até mesmo a Vista Chinesa estão lá, perfeitas. O Cristo Redentor e o Pão de Açucar parecem reais. E basta um passeio de bondinho para perceber ao fundo o Edíficio da Petrobrás na Avenida Chile e a Catedral do Rio de Janeiro. Nada escapou da vista cuidadosa dos animadores do Blu Sky Studios, nem as latas laranjas da companhia local de coleta de lixo. Rio é um deslumbre, um marco para a história da animação, dada a perfeição de sua direção de arte. Até a Paris Medieval de O Corcunda de Notre Dame não consegue mais se contrapor a perfeição que a equipe de Carlos Saldanha alcançou.

A força de Rio está nos personagens, principalmente os do reino animal. Além de Blu, que tem como voz um perfeito Jesse Einsenberg (que não consegue fugir do estigma nerd), a Jade de Anne Hathaway é uma boa surpresa, mostrando que a atriz é muito mais versátil do que poderíamos imaginar. Os coadjuvantes também são interessantes, no entanto vale ressaltar que o filme perde um pouco de sua magia quando acompanha os personagens humanos, com destaque para o Túlio de Rodrigo Santoro, exageradamente caricato.

O mais legal ao terminar de assistir Rio é saber que algumas críticas que certamente serão feitas ao filme - como o fato de a maioria dos personagens falar muito bem o inglês ou que alguns pássaros mostrados sequer fazem parte da fauna local - não passam de uma falta de visão cinematográfica, uma vez que estamos diante de um filme de animação, em que este tipo de detalhe é pouco importante. Você tem que sentar na poltrona e apenas se entregar à experiência.

Rio pode até não se tornar a maior animação do ano, pois a concorrência está acirrada, mas já deixou claro que o Blu Sky Studios não está afim de fazer figuração no cinema animado, e que apesar de ainda não ter alcançado o patamar técnico de uma Pixar, está cada vez mais perto e promete surpreender nos próximos anos. Quem diria que a cidade maravilhosa teria um papel tão importante nesta vitoriosa história de sucesso?

Cotação: ***

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