Crítica: Um lugar qualquer

Sofia Coppola tem pedigree. O sobrenome, ora essa, já diz tudo. A filha do grande Francis Ford Coppola quase estragou a obra prima do pai - quem não se lembra da desastrosa atuação da moça em O poderoso chefão 3. Mas, se como atriz ela era uma excelente cineasta, não poderia ter acontecido coisa melhor do que ela seguir a carreira por trás das câmeras.

E que carreira. Sofia tem apenas outros três filmes no curriculum - o soturno As virgens suicidas, o sucesso de público e crítica Encontros e desencontros, e o exagerado Maria Antonieta. Em todos os trabalhos, estava nítida a sua forma de fazer cinema. Mas é com Um lugar qualquer que ela atinge o ápice de sua maturidade como cineasta.

Em primeiro lugar, é preciso esquecer a polêmica sobre a vitória do filme no festival de Veneza - presidido na ocasião por Quentin Tarantino, antigo affair da cineasta e fã confesso de Sofia. O fato de ter havido qualquer tipo de favorecimento ao filme não macula nem um pouco a sua qualidade, muito pelo contrário.

Sofia conta a história de um ator de cinema (interpretado de maneira extremamente verossímil por Stephen Dorff) preso de forma angustiante na sua rotina de celebridade. Ele tem a chance de refletir sobre sua vida quando passa um período forçado com sua filha, fruto de seu fracassado casamento. O principal mérito do roteiro, que brinca de maneira inteligente com os bastidores do mundo do cinema, é humanizar a figura do astro de ação dos filmes hollywoodianos: eles riem, pensam, sofrem e tem os mesmos problemas que nós, meros mortais.

O talento da diretora se sobressai logo nos primeiros momentos do filme - que apresenta um dos enquadramentos mais fantásticos a surgirem recentemente no cinema. Os planos de Sofia - longos e pouco movimentados, o que geralmente causa repulsa no público mais comum - são ainda mais belos do que os apresentados em seu filmes anteriores (se não acredita, me diga o que acha da foto que inseri para acompanhar esta crítica). Para completar, o filme apresenta uma excelente montagem, que valoriza a estrutura simples do roteiro e torna a experiência de assistir ao filme ainda mais arrebatadora.

Se você observar com muita calma, existem grandes semelhanças entre Um lugar qualquer e o maior sucesso de Sofia, Encontros e desencontros. Para começar, os dois são filmes sobre homens perdidos - mas que enfocam este sentimento de maneira um pouco diferente. Se o personagem de Bill Murray em Encontros e desencontros estava perdido por se encontrar no Japão, em meio a uma cultura totalmente diferente da ocidental, aqui o personagem de Stephen Dorff consegue se encontrar de maneira semelhante dentro da sua própria zona de conforto. Outro ponto interessante: os dois filmes retratam a solidão, e como ela afeta a mente e o corpo das pessoas. E por último, nos dois roteiros os personagens masculinos são salvos por... mulheres. E é ainda mais impressionante notar a pureza e a simplicidade com a qual Sofia Coppola trabalha este relacionamento homem x mulher, pai x filha, marido x esposa.

Um lugar qualquer é mais um trabalho genial dessa fascinante diretora, que sabe como ninguém retratar este bicho estranho que é o ser humano nos seus filmes. Muitos parabéns para a família Coppola, que está dando um banho de qualidade no cinema. Agora só falta o sobrinho Nicolas Cage acertar o rumo da carreira. Benedetta famiglia!

Cotação: ****

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