Critica: Trabalho Interno

Quando você assiste um filme de ficção, está sendo levado numa viagem pela visão de mundo de terceiros, sejam eles produtores, diretores ou roteiristas. Cada indivíduo tem sua própria forma de enxergar a realidade, e um filme acaba sendo uma janela para o espectador adentrar na cabeça dos realizadores através da experiência proporcionada pelo cinema.

Neste contexto, o documentário é um gênero interessante do cinema. Documentários narram histórias reais, e não obras fictícias. Logo, espera-se, devem ser fiéis ao acontecimento que estão contando, sem interferência de pensamentos individuais de nenhuma natureza. Você acredita que isso acontece? Pode até ser, em alguns casos, mas os cineastas tem uma carta fundamental na manga que faz toda a diferença: a montagem. Assista novamente qualquer um dos filmes de Michael Moore e repare em como ele utiliza a favor da sua visão o recurso da montagem que induz o pensamento. Genial, mas errado, na minha opinião.

Trabalho Interno é um documentário feito sem estes propósitos maniqueístas. O filme, que é narrado de maneira eficiente pelo ator Matt Damon, faz um retrospecto interessante sobre as causas que levaram o mundo para a Crise Econômica de 2008, que teve seu estopim com a quebra do banco Lehman Brothers. O documentarista Charles Ferguson reúne alguns nomes importantes do mundo financeiro - entre os quais investidores, jornalistas, economistas e políticos - e avalia a crise unicamente do ponto de vista institucional. Ou seja, entre mocinhos e vilões, os culpados são aqueles que protagonizavam os jogos de interesse nos bastidores, e não o cidadão comum que favorecia a bolha especulativa.


O filme não pretende enganar o espectador, e deixa clara esta sua visão desde o seu início. Discorrendo sobre como a crise afetou a até então estável economia da Islândia (país europeu quase setentrional e de pouquíssima visibilidade política e econômica no cenário mundial), Charles Ferguson demonstra o poder impressionante do sistema financeiro norte-americano, capaz de corromper instituições políticas para favorecer interesses de grupos específicos. Não são precisos muitos artifícios para que se entenda onde o diretor quer chegar.

A forma como Ferguson conduz suas entrevistas durante o filme é um espetáculo a parte. Ácido, o diretor consegue deixar seus convidados constrangidos e visivelmente irritados, graças a inteligência e clareza das perguntas realizadas. Diferente de Michael Moore, no entanto, Ferguson prefere distanciar-se da narrativa em si, mantendo-se apenas como um interlocutor invisível entre os "protagonistas" de seu filme e o público na poltrona. Apenas este fato já faz toda diferença, e nos faz levar mais a sério o que está sendo apresentado.

Aproveitando-se ao máximo das tomadas externas em locação, o diretor pontua seu filme com excelentes planos sequência, sendo o mais representativo aquele que encerra seu trabalho, apresentando a estátua da liberdade em toda a sua imponência e majestade, fazendo com que nos perguntemos: vivemos realmente livres ou presos às amarras de um sistema que nunca conseguiremos compreender em toda a sua complexidade?

Trabalho Interno funciona muito bem como um alerta para que tenhamos mais atenção ao que está acontecendo no mundo capitalista atual. Uma pena que a mensagem só chega até uns poucos mais esclarecidos, haja visto que o público que assiste documentários nos cinemas é muito restrito, principalmente no Brasil. Mais uma prova de que a culpa não é somente daqueles que estão nos jogos do poder. Será que fazemos a nossa parte?

Cotação: ***

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