Crítica: Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas

Aventurar-se pela narrativa cinematográfica de culturas não ocidentais é uma grande viagem, e geralmente reserva boas surpresas. No Brasil, estamos muito acostumados ao modelo de linguagem cinematográfica americano, e por isso acompanhar escolas orientais de cinema é, para muitos, difícil e desafiador. Não posso dizer que o caso não se aplica ao cinema do diretor Tailandês Apichatpong Weerasethakul.

Se nos últimos anos nosso país teve um crescimento expressivo das salas de cinema do circuito de arte ou alternativo, não podemos dizer que houve um crescimento semelhante no número de filmes orientais a ocuparem estas salas. Em geral, a produção estrangeira que chega ao Brasil se limita aos filmes Europeus - de forma mais concentrada pelos Ingleses, Franceses, Italianos, Espanhóis e Alemães - e um ou outro filme latino-americano. Do oriente, quando muito, temos produções das escolas Japonesa, Coreana e Chinesa. Mais ainda assim em quantidade muito reduzida.

O acesso ao enorme folclore mundial que o cinema proporciona é um dos maiores trunfos da indústria internacional da sétima arte. E quando um filme como Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas consegue chegar ao nosso país, é que podemos compreender quanta vivacidade tem o cinema produzido fora do eixo ocidental que estamos tão acostumados a ver, e como é rica a cultura popular de nosso planeta.


Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas é basicamente um filme sobre espiritualidade. No nordeste da Tailândia, existe a crença na transmigração de almas entre homens e animais. O filme é centrado no personagem de Boonmee, um velho que sofre de insuficiência renal e vive acompanhado da cunhada e de um sobrinho, além dos fantasmas de sua falecida esposa e do filho desaparecido no passado, que retorna na forma de um macaco com olhos vermelhos. Boonmee tem o poder de resgatar fatos de suas vidas passadas, e prestes a morrer resolve partir numa jornada com os parentes a uma caverna que seria uma representação figurativa do "útero" de uma de suas antigas vidas.

A influência folclórica no roteiro é constante. São apresentadas histórias paralelas - a mais significativa delas de uma princesa que se entrega na floresta a um espírito que a visita na forma de um bagre - que seriam flashes da mente de Boonmee sobre suas outras vidas, no entanto este recurso narrativo não fica claro para a platéia. Além disso, a questão espiritual é vivenciada pelos personagens de forma bastante natural, o que gera diálogos pouco ortodoxos que causam estranheza ao espectador comum - você com certeza irá ouvir gargalhadas nervosas em momentos desnecessários.

O misticismo da cultura tailandesa fica muito evidente em diversas passagens do filme, que tem locações nas florestas do país, em uma área repleta de vodu e crenças sobrenaturais. O diretor utiliza a seu favor a fotografia de maneira primorosa, usando com frequencia longos planos fechados alternados com planos conjunto que valorizam a profundidade de campo - isto é facilmente verificado nas cenas localizadas à varanda da casa de Boonmee, que margeia a floresta. A montagem segue um padrão não linear, contribuindo para aumentar o clima de suspense que permeia a história.

O diretor constrói seu filme com poucos recursos, no entanto os efeitos especiais seguem a cartilha básica do cinema clássico de Georges Mèliés, como os jogos de espelhos nas cenas em que os fantasmas se apresentam para os vivos. Isto mostra que, quando há vontade e excelência criativa, não se precisa de montanhas de dinheiro para se fazer um bom filme.

Mesmo sendo um filme difícil, Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas irá surpreender o público nos cinemas, seja pela sua personalidade, seja pela vontade de nos fazer pensar e refletir os seus mistérios e lendas. Coisa que só o bom cinema é capaz de nos oferecer.

Cotação: ***

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