Crítica: A Origem

Alguma vez, mesmo que somente por um milésimo de segundo, você já teve a sensação de perder seu senso de realidade? Mesmo que a resposta seja negativa, nunca é fácil explicar uma questão tão subjetiva como esta. A mente humana é um grande e complexo quebra-cabeças. Imagine, então, explorar suas camadas mais profundas, que estão além do inconsciente. Em A Origem, Christopher Nolan nos leva numa viagem vertiginosa ao poderoso e desconhecido imaginário dos sonhos.

É fácil entender a expectativa que o novo filme do diretor gerou antes de seu lançamento. Nolan começou a trabalhar em A Origem pouco depois de impressionar o mundo com o bilionário Batman - O Cavaleiro das Trevas. O barulho provocado pelo filme do morcego e os números absurdos conseguidos nas bilheterias mundiais pareciam deixar quase certo que seu próximo trabalho seria uma outra continuação para o personagem da DC nas telas. No entanto, de forma semelhante ao que ocorreu depois de Batman Begins, Nolan se entregou a um projeto mais autoral antes de retornar a Gotham City.

Mas quando o novo filme começa, é impossível deixar de pensar em Cavaleiro das Trevas. Diversos recursos utilizados no antecessor são aprimorados em A Origem; a fotografia acinzentada, a montagem frenética ou mesmo a trilha sonora incidental, que acompanha a ação como se fosse mais um personagem. Tudo funciona. Tecnicamente, é um filme perfeito. E olha que ainda nem comentei os efeitos visuais fantásticos e inovadores. Adepto do uso dos cenários como elementos integrantes da ação (o CGI está sempre em segundo plano), Nolan consegue dar as cenas mais movimentadas contornos que chegam a ser surrealistas, tal qual a forma como são apresentados. Os planos se alternam na velocidade de uma montanha russa. Portanto, nem pense em tirar os olhos da tela.

O roteiro do filme é propositalmente complexo. E não poderia ser diferente, como o próprio tema propõe. O mais impressionante, no entanto, é acompanhar a evolução da narrativa, desenvolvida de maneira não menos que espetacular. Quando parece não ser mais possível se surpreender, eis que surgem novas reviravoltas. Christopher Nolan construiu uma verdadeira teia-de-aranha em forma de celulóide: você sai de um extremo ao outro, contorna, retorna pelo meio, e se não tiver cuidado, acaba perdido. Uma deliciosa confusão, por sinal.

O filme também é engrandecido pela presença de cena fantástica de todo o elenco. Leonardo Di Caprio mostra mais uma vez que os anos de trabalho com Martin Scorcese renderam frutos, entregando sua segunda grande performance no ano. O mesmo podemos dizer de Ellen Page e Joseph Gordon-Levitt, sendo que o segundo tem as melhores cenas do longa (as piruetas do ator e seus malabarismos em ambientes giratórios e na ausência de gravidade vão te fazer babar). Marion Cottilard aparece pouco, mas sua relevância na trama é suficiente para deixá-la desfilar todo o seu grande talento. O roteiro desenvolve os personagens de maneira eficiente, e ainda aproveita para tapar as arestas criando um interlocutor do público frente a todo aquele universo, centrado na figura Ariadne (Ellen Page). Afinal, estamos tentando entender, tanto quanto ela, tudo o que está acontecendo diante de nossos olhos.

A Origem é um salto para a indústria cinematográfica americana. Ao contrário de outros arrasa-quarteirões do verão, é um filme para pensar. Desista de entrar no cinema com um saco de pipocas na mão e aquela postura desatenta na poltrona, pois o resultado não vai ser muito agradável. Nem em sonho alguém poderia imaginar que o cinema pipoca ainda iria se tornar tão instigante e desafiador.

Cotação: ****

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