Crítica: O Bem Amado

Saudosismo é o tipo de coisa que denuncia fácil fácil a sua idade. Mas eu não estou nem aí pra isso. Posso me gabar de dizer que tive a chance de conhecer um pouco da obra de Dias Gomes quando ainda era apresentada na TV. Espera um pouco, calma lá! Não estou falando de O Bem Amado. Minha maior referência é, e sempre será, Roque Santeiro. Mas que se cale aquele que nunca tinha ouvido falar de Odorico Paraguaçu, Dirceu Borboleta, Zeca Diabo e tantos outros personagens clássicos.

Exatamente por conta disso fiquei muito satisfeito quando soube que O Bem Amado ia ser adaptado para o cinema. O problema maior foi exatamente esse: quando a ansiedade por um filme é muita, a chance de decepção é sempre maior. Mas até que desta vez a história teve um final quase feliz.

O filme de Guel Arraes é uma homenagem descarada a novela originalmente exibida pela Rede Globo, mais até do que ao texto de Dias Gomes. O formato quase folhetinesco, os atores globais e a produção pela Globo Filmes são sinais mais do que claros. O Bem Amado está sendo exibido na tela grande, mas não é cinema.


Tenho certeza que esta afirmação será encarada como exagero por muitas pessoas. É preciso ver o filme para entender o que estou falando. Alguns anos atrás, O Auto da Compadecida invadiu as salas brasileiras e fez um tremendo sucesso. E era apenas a adaptação de uma minissérie de TV, compilada para caber no formato de um filme. Ora, se alguém assistisse e achasse estranho o perfil "televisivo", a justificativa era mais do que óbvia. No entanto, não é o que vemos aqui. O Bem Amado foi, desde a concepção, vendido como produto cinematográfico. O que deixa mais do que claro que, em termos de cinema, o Brasil ainda está engatinhando. Ou, de forma menos generalizada, a Globo Filmes.

Em pouco menos de 2 horas de projeção, o espectador é apresentado a Sucupira e sua galeria vasta de ótimos personagens. Não se pode dizer que um filme que conta com material adaptado do texto de Dias Gomes possa ser totalmente ruim. E é do elenco o grande mérito. Marco Nanini está ótimo como Odorico Paraguaçu, e é muito divertido acompanhar os diálogos espertos do personagem. O mesmo vale para Zezé Polessa, Drica Morais e Andréa Beltrão, excelentes como o trio de beatas, com a diferença de estarem um pouco "assanhadas" demais. Tonico Pereira também rouba a cena como o adversário político de Odorico. Mas a maior surpresa fica com José Wilker. O ator, que há anos interpretava a si próprio fosse na TV, fosse no cinema, finalmente entrega um trabalho que faz jus a seu extenso curriculum na dramaturgia nacional. Como nada é perfeito, Matheus Nachtergaele não conseguiu empolgar como Dirceu Borboleta, mas também fica difícil deixar para trás a caracterização fantástica do personagem na TV por Emiliano Queiróz.

O diretor não conseguiu repetir no roteiro a proeza feita com a seleção de elenco. Embora tenha diálogos divertidos, seu ponto fraco essencial é duvidar da inteligência da platéia. Dias Gomes era um dos autores mais politizados a fazer televisão no Brasil, e suas obras eram claramente uma alegoria crítica a diversos aspectos sociais e políticos de nosso país. Guel Arraes deve achar que ninguém se lembra disso, pois enche o filme de desnecessários recursos narrativos que tentam vincular Sucupira a realidade brasileira. No final, inclusive, resolve deixar a comparação tão clara que chega a ficar ridículo. E brega pra caramba.

É muito provável que O Bem Amado seja um grande sucesso, considerando o apelo popular que tem a obra original. Tomara que, ao contrário do povo de Sucupira, quem esteja no cinema não fique cego aos defeitos da obra. Mesmo que nos acusem de agir como a esquerda comunista, marronzista e badernenta. Afinal, para entrar nos anais e menstruais da história do cinema, é preciso fazer melhor o dever de casa. O povo agradece.

Cotação: **


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