Crítica: Alice no País das Maravilhas
Lewis Carroll escreveu Alice no país das maravilhas e Alice através do espelho tendo por base lembranças de uma menina que conhecera anos antes - e que deu inspiração para a Alice dos livros - e em visões que atormentavam o escritor. Estas "visões", ou pesadelos, teriam sido a força motriz da criatividade empregada pelo artista na criação desta obra clássica.
Alice no país das maravilhas, no entanto, é puramente uma metáfora sobre o amadurecimento. Sobre como uma criança pode observar o mundo a sua volta, onde imperfeições seriam maluquices; onde temor seriam fraquezas. É como se o nosso mundo não passasse do país das maravilhas, mas que nós simplesmente não conseguíssemos enxergar.
Tim Burton, ao que parece, não entendeu muito bem a mensagem por trás da obra do escritor inglês. Este seria o único motivo para entender o que o diretor fez com esta sua versão visualmente deslumbrante, no entanto sem alma, do clássico que há anos encanta gerações.
Quando as primeiras informações surgiram acompanhados de storyboards que exibiam detalhes de como seria o país das maravilhas no filme, confesso que fui invadido por uma vontade louca de assisti-lo. E ficou cada vez maior a cada nova notícia, principalmente quando foi dito que a versão seria em 3D, e uma espécie de continuação, contando a história de uma Alice já crescida e que retornava ao país das maravilhas sem lembrar-se de um dia já ter estado lá. Divulgado o elenco, ficava ainda mais clara a "Essência Burton" da produção, com nomes como Johnny Depp, Helena Bonham Carter e Crispin Glover.
Talvez o excesso de expectativa tenha sido crucial para justificar o tamanho da minha decepção com o filme. Embora tecnicamente a produção seja impecável - os detalhes da fotografia, direção de arte e figurinos evidenciam o carinho com que a produção foi tocada - o grande problema está no roteiro: Tim Burton alterou personagens, deixou outras de lado, mudou o espírito da aventura para tentar agradar um público mais maduro e acabou pisando seriamente na bola.
Para começar, o maior erro: o Chapeleiro. O personagem descrito por Carroll como insano e em alguns pontos até detestável é alterado completamente nesta versão. Sobra pouco do Chapeleiro Louco no que vemos na tela. Johnny Depp está visualmente perfeito, no entanto quando começa a atuar percebemos a diferença. O Chapeleiro, para ganhar mais destaque na trama e justificar a presença do astro, foi transformado numa espécie de herói trágico, e a certo momento interesse romântico de Alice. Se, no passado, Carroll foi acusado de pedofilia por algumas insinuações sobre as memórias da menina, que diriam os mais puritanos se vissem isto agora?
Além deste deslize, outros tão fortes são facilmente identificáveis. Que história é essa da Dama de Copas ser a Rainha Vermelha? Uma, personagem do primeiro livro, era uma monarca tresloucada que tinha a ilusão de que estava sempre a cortar as cabeças de seus súditos pelos motivos mais estapafúrdios. A outra, personagem da terra dos espelhos, era uma conselheira que auxiliava Alice em sua jornada até a casa do tabuleiro em que na teoria a menina encontraria o retorno para casa. Os personagens foram fundidos de maneira confusa e totalmente desnecessária. O que dizer de Jabberwocky? O monstro que representava os medos de Alice aqui tornou-se capanga da Rainha Vermelha. Cria-se um conflito no país das maravilhas para justificar cenas de batalhas como em O senhor dos anéis e As crônicas de Nárnia, no entanto isto está totalmente fora de contexto com a obra que o filme teoricamente se baseia.
No geral, se considerarmos as adaptações recentes de Burton - Planeta dos Macacos e A lenda do cavaleiro sem cabeça são as mais evidentes - era de se esperar que houvessem mudanças drásticas na história que se adaptassem ao estilo do diretor. Mais aí é que está o erro: Alice no país das maravilhas já é um livro que tem a cara do diretor. O que aconteceu, simplesmente, é que ele não soube enxergar.
Para aqueles que ainda vão ao cinema, não desanimem. Desfrutem da sessão, acompanhem os efeitos deslumbrantes na tela, e, se conhecerem a história original, esqueçam-na. Ali, acompanhamos uma Alice totalmente diferente. Como se a audiência estivesse, literalmente, por trás do espelho.
Cotação: **
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